Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, junho 03, 2008

Augusto Nunes - O galope do grande garanhão




Sete Dias
Jornal do Brasil
1/6/2008

Que o anfitrião fez em cinco anos o que não foi feito em cinco séculos, todos ali já sabiam. Que o maior governante desde o Descobrimento protagonizou tamanha proeza sem descuidar dos deveres conjugais, isso os convidados para a festa do aniversário de casamento só souberam na noite de sexta-feira. "A Marisa Letícia é a mulher mais feliz do mundo porque se casou com o garanhão de Garanhuns", comunicou o presidente Lula à platéia do ligeiro comício improvisado no Palácio da Alvorada.

Só na quarta-feira a revelação foi retransmitida ao restante do Brasil e ao mundo pela jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo. Talvez conseguisse mais espaço na primeira página se o fecundo orador não tivesse lançado, numa única só terça-feira, outras fortíssimas concorrentes a uma vaga na coletânea que haverá de reunir as mais espantosas entre as incontáveis declarações delirantes de Lula.

Uma delas emergiu do improviso que exaltou, em Contagem, a apresentação da primeira locomotiva de grande porte fabricada no país. "Nessas conversas que a gente tem com empresários", confundiu Lula, "nem sempre a gente acredita no empresário e nem sempre o empresário acredita na gente. Me parece que pintou uma química de otimismo neste país".

Só não pareceram desconcertados os ministros que, além do começo do galope pelos campos do absurdo, haviam testemunhado horas antes a atropelada do garanhão na curva do Planalto. "Faz de conta que você está entrando no lugar do Pelé na Copa do Mundo de 1962", recomendou a Carlos Minc, que assumiu a camisa 10 do Ministério do Meio Ambiente no lugar de Marina Silva.

As três declarações, como todas as outras candidatas à coletânea, têm a cara do pai. Nasceram no mesmo dia, mas não são trigêmeas. Cada uma pertence a um dos grupos em que se divide a prole. No primeiro, formado por frases desbocadas, gracejos grosseiros e bravatas de botequim, acaba de alojar-se o garanhão de Garanhuns, entre a noite de núpcias com minha galega e o ponto G de George Bush.

Ao segundo grupo pertence a química do otimismo. Pintou no laboratório especializado em produtos que escancaram uma infância sem escola e uma vida inteira sem estudo. Da fusão dessas carências resultou o estilo do alquimista-chefe, que ali concebeu, entre outros espantos, a mãe que nasceu analfabeta, o Brasil sem fronteiras com a Bolívia e a certeza de que leitura é pior que exercício em esteira.

Tais audácias retóricas são sempre constrangedoras, mas inofensivas. Inquietante é o terceiro lote, composto por palavrórios que, sob o visual amalucado de sempre, escondem um agudo instinto político que invariavelmente prevalece sobre a sensatez e, pior, a verdade. É o caso das comparações inspiradas na Copa do Mundo disputada em 1962. Com uma frase curta, Lula promoveu Marina Silva a Pelé, o craque incomparável, e reduziu Carlos Minc a um Amarildo.

Se achasse que Marina é Pelé, não teria deixado de expulsar o centroavante rompedor Blairo Maggi, no primeiro minuto, pela cabeçada na nuca da estrela da equipe. Se enxergasse na companheira acreana a encarnação feminina do maior craque da história, não a teria rebaixado a reserva do zagueirão Mangabeira Unger na seleção convocada para defender as cores da Floresta Amazônica.

Se o presidente vê em Minc um Amarildo, Maggi não precisa perder o sono: a exemplo do esforçado interino de Pelé, o substituto de Marina não irá muito longe. Beneficiário da contusão do titular, Amarildo só brilhou na vitória contra a Espanha. Valorizado pela conquista do bicampeonato, acabou no futebol italiano. Logo desapareceria na multidão dos bons jogadores estrangeiros pagos em liras.

O recado no dia da posse avisa que Minc pode até marcar dois ou três gols. Mas nunca estará entre os craques do time que tem Lula como capitão, treinador e único dono.

Esse conhece

Paulinho da Força ficou preocupado ao saber que tivera a cassação recomendada pelo corregedor-geral da Câmara. Entrou em pânico ao ler o nome do corregedor: se até Inocêncio Oliveira acha o caso "gravíssimo", Paulinho precisa aumentar com urgência as propinas da salvação.

Homem de idéias

Também perseguido pela assombração da carestia, o ministro Guido Mantega descobriu que, se os alimentos forem excluídos dos cálculos, o índice ficará em 3%.

Afundado até o pescoço no pântano que vai engolindo a quadrilha especializada em embolsar empréstimos do BNDES, o prefeito de Praia Grande, Alberto Mourão, chegou ao fim de maio sem ter sido expulso do PSDB.

O partido jamais perde alguma chance de pisar na bola.

A engraxataria do doutor Chinaglia

Já que a opacidade dos cérebros parece irreversível, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, resolveu dar mais brilho pelo menos aos pés dos pais da pátria. Instalada no prédio do Congresso, uma engraxataria cinco estrelas cuidará de lustrar, a cada 24 horas, 3.500 sapatos calçados por parlamentares, assessores, funcionários, ex-deputados e, eventualmente, convidados. Idéia luminosa também tem preço: R$ 3.135 milhões por ano. Ou R$ 8,700 mil por dia, quantia suficiente para alimentar por um mês, com as cestas básicas que o Fome Zero prometeu mas não entregou, 174 famílias.

Dribles na Receita e médico de graça

O deputado Maurício Rands entrega ao Imposto de Renda parte do salário mensal de R$ 16,5. mil. E só. Nenhum tributo incide sobre a verba de gabinete (R$ 50,8 mil), a verba indenizatória (R$ 15 mil), o auxílio-moradia (R$ 3 mil), o adjutório para telefone e correio (R$ 4,2 mil) e o óbolo das passagens aéreas (mais de R$ 10 mil). Decerto para livrar-se do remorso que aflige quem lesa o Fisco, Rands lidera a ofensiva montada para ressuscitar a CPMF com codinome: CSS. É preciso melhorar o sistema de saúde, declama Rands. O dele vai muito bem: todas as despesas médicas são bancadas pela Câmara.

Time da imprensa vence em Cannes

Os críticos brasileiros em ação no Festival de Cinema de Cannes sonhavam com os decotes de Sharon Stone quando uma ovação de 10 minutos despertou-os para o filme Linha de Passe. Estremunhados, juntaram em textos ligeiros o diretor Walter Salles, o garoto Vinícius de Oliveira, a bola, a trave, o gramado – e voltaram ao que não interessa. Nem uma só linha sobre Sandra Corveloni (43 anos de idade, 20 de teatro, nenhuma novela, estreante em cinema). Ao ganhar o prêmio de Melhor Atriz, Sandra também ajudou o Brasil a buscar a taça na categoria "Pior Cobertura Jornalística da História".

Boa pergunta

Assustado com o reaparecimento do fantasma da inflação, o presidente Lula foi logo jogando a culpa no empresariado. Se a CPMF acabou, deu de perguntar com um sorriso sarcástico, por que os preços não baixaram?

Não baixaram porque o governo aumentou o IOF, presidentes. Fora o resto.


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