Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, setembro 03, 2007

PT réu Denis Lerrer Rosenfield


Acabou a pantomima: o PT foi para o banco dos réus. E, de banco em banco, o dinheiro foi circulando por diferentes mãos, dos petistas aos partidos aliados, numa movimentação "financeira" que deixou os cidadãos brasileiros perplexos. Triste fim para um partido que se defrontou com práticas suas que dizia, antanho, condenar.


















O recebimento pelo Supremo da denúncia do procurador-geral da República, com votação majoritária dos juízes presentes, beirando a unanimidade, mostra um vigor dessa instituição que a credencia na defesa dos valores republicanos. Sua atuação foi ainda exponenciada pelo fato de muitos dos ministros serem de indicação do atual presidente da República, que não deixa, também, de ser atingido por essa decisão. À parte a demagogia de plantão, três ministros foram declarados culpados, dois de seu partido, e um deles, José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, segundo homem na hierarquia governamental. No dizer do próprio presidente, o "capitão do time" foi indiciado como comandante de uma quadrilha. Qual quadrilha? A do PT, que, vorazmente, procurou tomar conta do aparelho do Estado em proveito próprio.

Não se trata de um fato banal. Os 40 inculpados são pessoas, em sua maioria, da base aliada e alguns faziam parte da direção partidária. Toda uma cúpula comparece ao banco dos réus, mostrando a íntima imbricação entre o partido e o governo, ou melhor, o seu governo, espécie de patrimônio seu. O discurso de que o partido não tem nada que ver com o que foi feito por sua cúpula não se sustenta minimamente. Se fosse verdade, a Comissão de Ética do partido deveria ter-se reunido, deveria tê-los julgado e expulsado, exibindo a sua isenção e a sua não-conivência. O partido teria saído engrandecido. Ao acobertar os fatos e, pior, não reconhecê-los, ele se mostrou conivente, e se tornou moralmente pequeno. Afinal, quem paga os advogados dos que foram indiciados? De onde vem o silêncio dos artífices do "mensalão"?

Um sinal dos mais eloqüentes da responsabilidade petista é a sua insistência em não realizar averiguação alguma do que aconteceu. Ao contrário, seus dirigentes não cessam de proclamar a inocência dos seus quadros. Alguns mais afoitos dizem tratar-se de uma obra de ficção, como se vivessem em Marte. O cinismo parece não ter limites, ao arrepio de qualquer confrontação com os fatos. A Comissão de Ética não chegou a se reunir. Primeiro, foi alegado que as investigações se fariam posteriormente. Depois, foram mandadas para as calendas gregas. Os dirigentes dizem que foram absolvidos pelas urnas, como se eleições fossem tribunais. A Comissão de Ética, na verdade, está abandonada às traças.

Pode-se, neste sentido, dizer que o PT morreu simbolicamente, embora não esteja morto eleitoralmente. Ele morreu simbolicamente por ter perdido bandeiras partidárias importantes, como a da ética na política. Ele sempre se colocou como um partido diferente dos outros por práticas assentadas na moralidade. No poder, mostrou ser todo o contrário do que apregoava. Inclusive, no vocabulário corrente, ser petista deixou de ter uma conotação positiva para ganhar uma negativa. O procurador-geral e os ministros falam, agora, de "quadrilha" e "bando", chegando mesmo a declarar que uma "organização criminosa" assaltou o Estado. Quando a língua em seu uso exibe tal mudança de significado, é porque algo se está produzindo também no falar dos cidadãos, na opinião pública. O PT tornou-se um partido que nivela por baixo a tradição de corrupção brasileira.

Não se pode identificar, sem mais, a corrupção do atual governo com a corrupção tradicional do Estado brasileiro. Embora elas se possam confundir em várias práticas, não são da mesma natureza. A primeira é de cunho patrimonialista, restrita a algumas figuras e setores que se apropriam dos recursos públicos para o enriquecimento pessoal. Ela não atravessa organicamente todo o Estado. A segunda, apesar de poder também ser utilizada para finalidades privadas, é basicamente partidária, voltada para enriquecer o partido e favorecer o seu projeto de poder e/ou de transformação da sociedade brasileira. Ela é orgânica, sistemática. Sua manifestação mais clara é o loteamento do Estado por partidos e, em particular no primeiro mandato, para o PT predominantemente. Os cofres públicos foram, por assim dizer, tomados de assalto por esse partido e por seus aliados. Movimentos ditos sociais, dentre os quais se destacam a CUT e o MST, têm também se aproveitado - e muito - dessa situação. A proliferação de ONGs é uma outra exibição do desvio de recursos públicos.

O PT, em sua prática de governo, não empreendeu nenhuma revisão doutrinária, mantendo suas posições anticapitalistas e propugnando por um regime socialista no País. O "mensalão", na verdade, está fortalecendo essa sua posição. O argumento que a maior parte do partido está utilizando é o de que se trata de uma grande conspiração das "elites", da "direita" e dos "conservadores", orquestrada pela "mídia". Tal justificativa só tende a manter o PT em suas posições tradicionais, propiciando uma radicalização de sua postura e transmitindo-a aos "movimentos sociais".

A perda petista da virtude tem, porém, um profundo significado para a democracia brasileira. Enquanto o partido detinha o monopólio da virtude, os outros não se podiam contrapor eficazmente a ele nesse quesito, pois estavam, desde sempre, maculados. Era uma cruzada dos santos contra os infiéis. Agora, com a morte simbólica do PT, a ética se tornou independente dos critérios partidários e pode estruturar a cena pública e concretizar-se em instituições. A denúncia do procurador-geral e o seu recebimento pelo STF entram nesta linha de consideração ao privilegiar decisões jurídicas que coincidem com uma agenda moral. Eis a sua repercussão política propriamente dita.

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