Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 02, 2007

O governo Lula acabou


CESAR MAIA


O tempo torna governo e governante inevitavelmente mais transparentes, mais previsíveis, o que ajuda o jogo democrático


O PROCESSO de reeleição é muito recente no Brasil e ainda está amadurecendo. Um ponto positivo é o fato de ter um ciclo fiscal mais suave no primeiro governo, já que este poderá suceder a si mesmo.
Outro é que o tempo torna o governo e o governante inevitavelmente mais transparentes, mais previsíveis, o que ajuda o jogo democrático.
Mas o segundo governo é sempre um grande desafio, pois se torna menos crítico -não pode criticar a herança recebida-, a gestão da motivação é mais complexa, o fator surpresa diminui e, com ele, a taxa de sedução.
Por isso, a gestão do segundo governo deve ser pensada, desde o início, de modo diferente. Que novos desafios colocar? Como surpreender e sinalizar a renovação? Como evitar que a intimidade do eleitor se transforme em cansaço? Como motivar a equipe que já está enrolando os processos?
Uns chamam isso de ciclo de exaustão. Outros, de desgaste de material. Outros, ainda, comparam ao conceito contábil de depreciação.
Os ciclos políticos são magicamente decenais. Thatcher e Blair, desgastados depois de completar dez anos de governo, preferiram sair antes do fim do mandato, abrindo espaço e fôlego para a renovação. Helmut Kohl, com seus 16 anos no poder, foi uma exceção em regimes democráticos. O período de sete anos com reeleição, na França, foi reduzido para se ajustar a esse decênio. Nos EUA, o presidente pode ser reeleito uma vez e, depois, nunca mais pode se candidatar.
Com oito anos e sem retorno possível, aumenta a chance do segundo governo. FHC perdeu o segundo governo a partir da crise externa. Menem e Fujimori, independentemente dela, esgotaram suas capacidades de motivar e apontar esperança.
O poder político no Brasil ainda não desenvolveu uma tecnologia de gestão para o segundo governo. Com o tempo, certamente o fará. Para isso, dois elementos são fundamentais. O primeiro é ir inventando essa tecnologia. O seguinte é construir o segundo governo no primeiro ano.
A comunicação política em governo tem dois vetores constituintes dicotômicos. Um é a escola americana fundada nos anos 60, que chegou ao apogeu com Clinton assessorado por Dick Morris. Para essa escola, "todo dia é dia de eleição".
É um caminho de alto risco que só pode ser trilhado tendo uma estrutura de aferição/comunicação muito sofisticada. No Brasil, não se chegou a isso. Nos EUA, se tem respostas quatro horas depois do fato ocorrido, com base em pesquisa qualitativa realizada em dezenas de pontos do país, com vídeos pré-gravados e versões alternativas sobre o mesmo fato.
A outra escola foi -não é mais- a francesa, desenvolvida por Miterrand e sua assessoria chefiada por Jacques Séguéla. Para essa escola, o movimento do presidente deve ser oscilante entre aparecer e submergir. Diz Séguéla que a exposição presidencial contínua provoca queimaduras de terceiro grau. Talvez porque a França, na época, não contasse com a tecnologia americana. Hoje, talvez, Sarkozy conte com ela. Imagino que saiba o risco que corre.
O segundo governo Lula não enfrenta nenhuma dessas equações. Não se lançou a novos desafios. Não introduziu nenhuma gestão de motivação -ao contrário, mantém a forma de nomear no governo. Não renova seu próprio personagem -ao contrário, intensifica-o. Não amplia seu público -ao contrário, restringe-o.
Ingenuamente cria uma marca para o cotidiano, e tudo passa a ser essa marca, num "déjà vu" dos anos 50. Torna mais plástica a base de apoio, reforçando a memória mensaleira. A crise do setor aéreo evidencia a incapacidade administrativa.
Seu único ponto de alavancagem -a expectativa de que nos dois últimos anos a economia crescesse acima dos 5%- foi abalado pela crise imobiliária nos EUA. E ainda se ilude com a idéia de que as reservas resolvem tudo. Não resolvem nada, pois a crise é no setor real. Vai derrubar a economia americana e estabelecer um teto de crescimento para as economias articuladas, como a do Brasil.
Torça para que se chegue a 2010 com esses 4%. Não há inovação, o discurso populista se torna translúcido, a prática política tradicional se acentua, a economia tem teto, os setores do governo não têm motivação, a ideologia é sepultada.
Ao seguir a escola americana, termina justificando a francesa. A queimadura já é de segundo grau e avança.
O apagão dos apagões é o apagão de criatividade. O governo Lula acabou. Sua intuição sabe disso. Por isso, as vaias doeram tanto. O eleitor percebeu antes dos analistas.


CESAR MAIA , 62, economista, é prefeito da cidade do Rio de Janeiro pelo DEM.

Arquivo do blog