Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 09, 2007

O fim da era Greenspan?

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN


É bem possível que o Fed precise cortar a taxa de juros para tentar diminuir as chances de recessão nos EUA

NESTA ÚLTIMA quarta-feira, um resultado negativo em um até então obscuro índice de vendas pendentes de casas nos Estados Unidos foi suficiente para derrubar a Bolsa de Nova York, a Bovespa e aumentar o risco-país do Brasil. Na verdade, para observadores dos mercados de crédito, o pior sintoma naquele dia era o alto nível alcançado pela "3-month Libor", a taxa de juros em dólar cobrada pelos grandes bancos internacionais para empréstimos de três meses a seus pares. Como os grandes bancos são considerados tomadores de pouco risco e o prazo é curto, essa taxa é em geral muito próxima da meta de juros de um dia do Fed, o banco central americano.
Nos últimos cinco anos, a diferença média entre a Libor e a meta do Fed foi de 21 pontos percentuais (0,21%). Na quarta-feira, essa medida, uma espécie de "risco dos grandes bancos", atingiu 47 pontos, mais do que o dobro da média histórica. A Libor não só determina os juros pagos pelos bancos mas também serve como indexador para muitos outros empréstimos tomados por empresas. Uma Libor mais alta torna o capital mais caro para as empresas e diminui a atratividade dos investimentos.
Neste momento de grande turbulência, os governadores dos três bancos centrais mais influentes no mundo -Ben Bernanke, do Fed, Jean-Claude Trichet, do Banco Central Europeu, e Mervyn King, do Banco da Inglaterra- tentam prover liquidez aos bancos, mas ao mesmo tempo parecem querer sinalizar o fim da "era Greenspan", na qual os bancos centrais abaixavam drasticamente os juros toda vez que os investidores descobriam que haviam pago caro demais por ativos. Alan Greenspan, o ex-chairman do Fed, cortou profundamente os juros em pelo menos três ocasiões em que os preços dos ativos financeiros caíam de forma acentuada: no "crack" das Bolsas em outubro de 1987, na crise dos emergentes de 1998 e em 2001, após o estouro da bolha da internet.
Os cortes de juros naturalmente amorteceram os movimentos de queda de preços, diminuindo os prejuízos dos investidores. Muitos economistas acreditam que as ações de Greenspan criaram um "risco moral" e contribuíram para o extraordinário apetite por ativos arriscados exibido pelos investidores nos últimos anos.
Quando era professor na Universidade Princeton, Bernanke escreveu um trabalho no qual argumentou que os bancos centrais só deveriam se preocupar com o preço dos ativos financeiros na medida em que eles afetassem o nível do produto ou a taxa de inflação, como parece ter ocorrido na crise de 1929. A evidência sobre o impacto do atual episódio na atividade econômica nos EUA ainda não é completamente clara, mas um cenário de desaceleração parece o mais provável.
O livro bege, um relatório do Fed publicado na última quarta-feira, ainda não indicava que a crise dos mercados de crédito já estivesse afetando a economia real, com exceção do setor imobiliário, mas os números surpreendentemente ruins do emprego divulgados na sexta-feira -a primeira vez desde 2003 em que o índice mensal de criação de empregos foi negativo- sugerem que a economia americana se desacelerou acentuadamente em agosto. No dia 18 de setembro, é bem possível que o Fed precise cortar a taxa de juros para tentar diminuir as chances de uma recessão, o que vai tornar mais difícil convencer os investidores de que a era Greenspan realmente acabou.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com

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