Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 19, 2007

Míriam Leitão - Risco maior



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
19/9/2007

Para um banco central que dizia, há pouco mais de um mês, que estava preocupado com a inflação, a decisão de ontem do Fed revelou o grau de risco que eles avaliam haver sobre a economia dos países desenvolvidos. Era mais sensato ter ouvido o velho Alan Greenspan, que sugeriu ir mais devagar com os cortes. Os preços do petróleo em alta são outra ameaça sobre a economia americana.

Pesou mais na decisão do Comitê Federal do Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) o risco de crise bancária e de recessão do que as ameaças de inflação. Aliás, o movimento de corte dos juros é coerente com a abundante liquidez ofertada pelos bancos centrais dos países ricos aos mercados desde que começou a turbulência, após a suspensão dos saques em dois fundos do francês BNP Paribas. Ontem foram US$10 bilhões de recursos injetados no mercado financeiro americano.

Nos últimos dias quem tremeu foi a Inglaterra, com o evento do Northern Rock. Filas de correntistas querendo sacar dinheiro são a pior cena que pode ser vista por um dirigente de banco central. Todo o sistema bancário é baseado na confiança. Quando ela se quebra, tudo pode acontecer.

Não houve quebra de confiança, evidentemente, e para manter a solidez do sistema estão trabalhando as autoridades monetárias. A forte decisão tomada pelo Fed de reduzir os juros em meio ponto percentual, quando tanta gente previa um movimento em dois cortes de 0,25 ponto percentual, trouxe euforia aos mercados do mundo inteiro, inclusive na nossa Bovespa. Mas isso resolve o problema?

Claro que não. Ainda há vários pontos de incerteza. O primeiro é se novos casos como o Northern Rock vão surgir. Há bancos alemães, ingleses, americanos na lista dos duvidosos, possíveis carregadores de papéis podres em volume insustentável. Os bancos pensaram estar fazendo a engenharia financeira perfeita quando compraram papéis de alto risco e melhor rendimento e os repassaram aos fundos. Pensaram estar diluindo o risco, fugindo dos rigores regulatórios e evitando a crise bancária. Por enquanto, a espada de Dâmocles está sobre vários bancos. O ideal seria se os rombos fossem logo explicitados e depois absorvidos de alguma maneira. Mas eles passarão as próximas semanas e meses aparecendo nos balanços ou em eventos como esse da Inglaterra semana passada.

Outra razão pela qual é certo que a redução dos juros americanos não vai resolver a crise é que, na economia real, já estão acontecendo fatos demonstrando ser alto o risco de recessão. Foi o crédito abundante no mercado imobiliário que puxou a economia para cima nos últimos anos. Dos financiamentos e refinanciamentos saíram os recursos que alimentaram o consumo. Agora, é a volta da maré: os créditos se reduziram, as taxas de risco aumentaram, e o consumidor está mais inseguro pelos sinistros que estouraram entre os compradores de imóveis. A queda dos juros ajuda a diminuir o recente encarecimento do crédito, mas não restabelece a situação anterior. Casas continuarão sendo retomadas, empréstimos serão renegociados em condições mais duras, e o consumidor continuará assustado. A decisão de ontem foi um forte movimento para evitar a recessão, mas o risco não está afastado.

O terceiro motivo pelo qual não basta a redução da taxa de juros americana é que o petróleo está subindo. Por uma dessas causas circulares na economia: o petróleo está subindo em parte porque a perspectiva de redução dos juros indica mais consumo na economia americana do que previamente calculado. Só que as cotações do petróleo impactam instantaneamente os preços dos combustíveis dentro dos Estados Unidos, e isso pode elevar o risco de inflação. O Fed está entre dois fogos: reduzir os juros para evitar a recessão, mas ao mesmo tempo trabalhar para evitar o efeito inflacionário da alta dos preços do petróleo.

Ontem o petróleo fechou em US$81,51 o barril, tendo sido negociado a mais de US$82 durante o pregão. Um aumento expressivo. Aliás, o que aconteceu nos últimos tempos no mercado de petróleo é impressionante. Quatro anos atrás, exatamente em setembro de 2003, o barril estava em US$27, e agora está em quase US$82. Desde o começo da década, já houve um aumento de consumo mundial em 12 milhões de barris/dia. A oferta elevou-se, mas menos do que o necessário para atender a toda essa demanda com folga. O petróleo é mais um problema sobre a economia mundial.

Há outro risco nesse caminho tomado pelo Fed: o moral hazard (risco moral). Ficou claro para todos os participantes do mercado que nenhuma irresponsabilidade será castigada. O Fed e outros bancos centrais vão socorrer e resgatar quem estiver em apuros.

Quanto ao Brasil, adianta pouco a conversa que o presidente Lula pretende ter com seu amigo Bush, determinando que a crise não venha para o Brasil. A queda da dívida externa, o fim da dívida cambial, o aumento das reservas ajudam a criar a primeira barreira contra a crise. O governo Lula poderia ter construído a segunda e mais eficiente barreira: a redução do gasto público, que aumentaria a nossa proteção contra a crise externa.

Com uma economia tão cheia de interdependências, há pouco espaço para que decisões voluntaristas dos presidentes produzam qualquer efeito. Ontem foi dia de comemoração. Logo depois, pode o mesmo eufórico de hoje passar a dizer que, se os juros caíram mais do que o esperado, é porque a crise é pior do que se imagina.

O tempo é de incerteza e de volatilidade. Continuará sendo. Mas as últimas horas foram de comemoração: não só o Fed fez o que o mercado esperava como cortou os juros mais do que o previsto.

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