Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 09, 2007

DANUZA LEÃO

Verdades e mentiras


Aprenda: nunca peça a verdade a ninguém, por uma única razão: quem pergunta já sabe todas as respostas

POR QUE AS resoluções devem ser feitas no início do ano? Vamos fazer as nossas agora, só para variar, e talvez assim a gente consiga.
Em primeiríssimo lugar, recuse-se a ouvir de qualquer pessoa, mesmo da que mais te ame na vida, coisas que te desagradem. Se você estiver péssima, exija ouvir que está resplandescente, se estiver 20 quilos acima do peso, que está uma sílfide, e se seu marido estiver descaradamente namorando sua melhor amiga, corte o papo de quem ousar te dizer alguma coisa a respeito e diga que nunca o viu tão apaixonado.
Más notícias de médicos, então, nem pensar; já na primeira consulta diga que não quer ouvir nenhuma notícia desagradável, nem mesmo que está com uma gripe. E se tiver que fazer algum exame -mesmo que seja um bem bobo, tipo um hemograma-, que o laboratório seja avisado com antecedência que quer, além daqueles números absolutamente incompreensíveis, que venha escrito em baixo, em purpurina, "Parabéns! Você tem uma saúde perfeita". E custa?
Na hora em que for ao Detran fazer aquela visita anual que é sempre um prazer -a vistoria-, que ninguém peça to-dos os papéis do carro, inclusive aquele detestável IPVA, que parece uma notinha de supermercado e que se for perdido pode botar você no fundo de uma masmorra pelo resto de seus dias.
Ah, como é detestável qual-quer coisa que tenha a ver com o serviço público, e detalhe: o Detran sempre ganha o primeiro lugar disparado.
Agora a família, de quem também não se quer ouvir uma só verdade.
Aquele primo que foi parar na delegacia porque deu uma surra na mulher? Imagine, estão felicíssimos, pensando seriamente até em ter outro filho -apesar do mais velho ter sido preso outro dia por aquela razão que todo mundo já sabe, mas da qual não se fala. Não é muito mais simpático dizer que ele está se formando em antropologia -mesmo sendo a mais deslavada das mentiras- do que dizer a verdade, e que se não tivesse um primo amigo do delegado ele estaria em cana até hoje? Não, verdades nem pensar.
Agora, as relações amorosas: nessas, então, falar a verdade, nem por decreto. Só existe uma verdade que se pode falar ao ser amado: eu te amo. Fora disso tudo é pouco, tudo dá briga, discussão, separação, polícia e Justiça.
Digamos que vocês cheguem de uma festa, apaixonadíssimos e felicíssimos; enquanto tira os brincos -é sempre nessa hora-, você diz, em tom do maior elogio "você fez o maior sucesso, hein, as mulheres não tiraram os olhos de você". Pronto: daí para se pegarem é coisa de segundos, dependendo apenas do tamanho do pavio dela -e o da mulher costuma ser curto.
Já se ele chegar em casa naquela paz celestial e encontrar um papelzinho com um telefone -uma proposta de trabalho, claro, mas na qual está embutido um almoço para conversar sobre negócios-, ele vai dizer que não é idiota e que está cansado de ver de que jeito ele -o outro- olha para ela. O que fazer? Ter uma conversa sincera, daquelas honestas, ou negar tudo até a hora da morte? Não é preciso nem responder: negar sempre, é claro. Tem também aquelas horas em que um dos dois está se sentindo meio carente, acha que a paixão do outro está passando por uma crise, digamos assim, e propõe uma conversa franca -uma conversa daquelas que todo mundo sabe onde vai dar.
Aprenda: nunca peça a verdade a ninguém, por uma única razão: quem pergunta já sabe todas as respostas, e ninguém tem tempo a perder. Se ele paquerou aquela mulher na festa, você está cansada de saber, se seu casamento acabou, você está cansada de saber, e só não se sabe mesmo do que não se quer.
O que aliás é um direito de cada um.

danuza.leao@uol.com.br

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