Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 20, 2007

As elites socialistas Carlos Alberto Sardenberg

As elites socialistas

Artigo -
O Globo
20/9/2007

O jornalista Ali Kamel levantou nesta página, no último dia 17, o caso do livro didático "Nova História Crítica", de viés marxista, que já foi recomendado e distribuído pelo MEC e continua sendo utilizado por escolas públicas e privadas. Não é um caso isolado. A literatura dominante nas escolas médias brasileiras, mesmo naquelas mais caras e mais de elite, é de tendência socialista e fortemente anticapitalista. E isso é reflexo do mesmo pensamento que domina ainda hoje as elites brasileiras.

No último dia 10 de setembro, publiquei em "O Estado de S.Paulo" coluna tratando desse tema, mas tendo como referência um livro adotado amplamente em escolas privadas, e de elite, de São Paulo, "A História da Riqueza do Homem", de Leo Huberman.

O livro é antigo, de 1937, e fez muito sucesso entre universitários brasileiros nos anos 60. Primeiro, trata-se de uma aula de marxismo, na visão mais clássica da doutrina.

Sustenta que todas as idéias econômicas anteriores a Marx e Engels não passam de pura ideologia de classe, construídas para justificar sistemas econômicos e políticos que, ao longo da História, foram sempre uma forma de escravizar o trabalhador. Ao revelar isso, o marxismo não é ideologia, mas pura ciência. Vai daí, o socialismo, sendo o regime do proletariado, é o fim da História, o momento em que o trabalhador finalmente controla os meios de produção e o sistema político.

Nos anos 60, já se conheciam as atrocidades dos regimes soviético e chinês (sobre o que Huberman não traz uma palavra sequer), mas eram tomadas como desvios políticos do sistema. Não se duvidava, porém, naqueles meios intelectuais, da eficiência do regime socialista de planejamento central. A União Soviética não se tornara uma potência?

Já era um equívoco. Muita gente percebia e dizia isso para ser desclassificada e jogada no bando dos liberais defensores da burguesia. Mas a existência dos regimes socialistas era um ponto importante, sobretudo porque, protegidos por ditaduras e censura, não se sabia o que realmente se passava naqueles países. Já as mazelas do capitalismo, diariamente reveladas pela imprensa burguesa, eram bem conhecidas.

Hoje, nem seria preciso dizer, a História mostra exatamente o contrário do que Huberman prevê no seu capítulo 18, o colapso do capitalismo e o futuro inevitável do socialismo.

E, entretanto, o congresso do PT acaba de aprovar documento que "reafirma o caráter socialista, democrático e popular do partido". Qual socialismo, não se sabe. Mas a retórica do PT e de boa parte das elites brasileiras (políticas, intelectuais e civis) continua antiliberal e anticapitalista. Nos colégios, nas universidades, nos vestibulares, nos concursos públicos, o liberalismo e o capitalismo, assim misturados, aparecem como o regime que gera miséria e desigualdades para muitos e riquezas para poucos. Todo dia, tem um juiz, inclusive dos tribunais superiores, escrevendo na sua sentença que sua função é proteger os pobres das forcas malignas do capital.

Como pode ocorrer essa contradição tão flagrante entre o mundo real, que exibe um capitalismo globalizado e pujante, levando quase todos os países a uma fase de prosperidade sem precedentes, e o domínio de um pensamento de esquerda anticapitalista?

Uma explicação está na formação de boa parte das elites brasileiras. Elas leram e estudaram Huberman. Não leram nem estudaram Adam Smith. E parece que estão transmitindo o mesmo viés às novas gerações. Os colégios que fazem provas com a "História da Riqueza do Homem" não mandam os alunos ler "A Riqueza das Nações". O equívoco escolar leva a uma dificuldade na vida prática, pois, formado, o aluno cai no mundo de Adam Smith, não no de Huberman, que jaz na lata de lixo da História.

A história do PT é o exemplo prático dessa contradição. Passou a vida defendendo o socialismo, condenando o neoliberalismo, para chegar ao poder e verificar que não há outro caminho senão o capitalismo globalizado. Como já disse Lula, muitas idéias da época da oposição não serviam para pegar no concreto.

Mas o próprio Lula se mantém confuso. Outro dia, para mostrar que sua política econômica é diferente da de FHC, alardeou que acabou com a inflação, mandou o FMI embora e criou um mercado de massas com as bolsas e a ampliação do crédito.

As missões do FMI ainda aparecem por aqui, mas apenas para elogiar a política econômica de Lula. Não vêm cobrar porque o governo pagou antecipadamente sua dívida, com os dólares obtidos com o crescimento das exportações, resultado da prosperidade global. A inflação foi liquidada pelo regime de metas com banco central autônomo, política monetária que é o estado da arte da doutrina capitalista. E foi o fim da inflação que permitiu a ampliação do credito, nas modalidades mais modernas, outra criação capitalista moderna.

Tudo para reafirmar o socialismo...

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista.
E-mail:
sardenberg@cbn.com.br.

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