Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 15, 2007

As criações do mexicano Ricardo Legorreta

O mestre da cor e do espaço

O arquiteto mexicano Ricardo Legorreta
espalha pelo mundo uma obra inspirada
na cultura e nos valores de seu país


Thomaz Souto Corrêa

Jose Ignacio Gonzales Manterola
Rafa Rivas/AFP
CONJUNTO PLAZA JUAREZ
No novo centro histórico da Cidade do México, Legorreta fez o monumental conjunto que inclui um parque atrás de um antigo convento, hoje Templo de Corpus Christi

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Trecho do livro

Talvez nenhum outro grande arquiteto contemporâneo tenha uma obra tão inconfundível quanto a de Ricardo Legorreta, porque ninguém usa tanto a cultura de um povo como referência para criar. As cores vivas das casas dos pueblos, a grandiosidade das ruínas maias e astecas e a amplidão geográfica são constantes na obra de um arquiteto que define a própria profissão como sendo a de "fazedor de sonhos". Os elementos principais na obra de Legorreta são o muro e a parede, não só porque protegem, mas porque delimitam e definem o espaço; as proporções, no contraste dos grandes espaços com os pequenos cantos; e a luz. "Minha obra é inteiramente repleta de luz", diz ele. "Esses são os elementos físicos. Os outros são a emoção e o mistério. Arquitetura sem emoção não é arquitetura. Arquitetura não se define com palavras, transmite-se com emoções. Um espaço pode ser lindo, mas, se não ilumina o espírito, não é arquitetura. Eu adoro o mistério, não só na arquitetura, mas na vida. Gosto de descobrir. Ir a algum lugar sem saber o que vou fazer ou o que esperar daquele lugar. Não existe uma arquitetura genuína sem o mistério de descobrir os espaços pouco a pouco, de vê-los cada vez de uma maneira diferente."

Lourdes Legorret
CAMPUS DA UNIVERSIDADE DE SÃO FRANCISCO
O átrio do centro de convívio da universidade californiana tem o teto transparente, que deixa passar luz natural para formar um ambiente agradável bem no centro do campus. Dali são acessados os outros edifícios do conjunto universitário


Ricardo Legorreta tem 76 anos e vive na Cidade do México. Está no Brasil para palestras e lançamento na Bienal do Livro no Rio de Janeiro e em São Paulo da obra Ricardo Legorreta – Sonhos Construídos (coleção Educação do Olhar; Be Editora; 61 páginas; 47,50 reais). Filho de banqueiro, Legorreta nem sempre soube que queria ser arquiteto. Acha hoje que foram as viagens feitas com o pai pelo interior do México, vendo os pequenos pueblos, as haciendas de tradição espanhola, as cidades históricas e as ruínas dos templos pré-colombianos, que despertaram nele a vocação que o levou à Universidade Nacional Autônoma do México, para estudar arquitetura. Do pai aprendeu também noções de disciplina pessoal e de responsabilidade social. Reconhece outras duas influências relevantes em sua carreira, dois arquitetos modernistas mexicanos. Um é José Villagrán, introdutor do modernismo na arquitetura mexicana, com quem Legorreta trabalhou durante doze anos e de quem chegou a ser sócio. Dele, assimilou o rigor na construção de uma obra, a disciplina, a pontualidade e a ética, valores – segundo ele – não muito comuns no México daquele tempo.

A outra influência forte veio de Luis Barragán, até então o grande mestre da combinação de luz e espaço, "a inspiração para a privacidade, o humanismo, o mistério e a cor", lembra Legorreta. Seu primeiro contato com o mestre foi quando perguntou a ele o que achava de um projeto que acabava de inaugurar. "A arquitetura é linda", disse Barragán, "mas o paisagismo é lamentável". A partir desse momento, a natureza passou a ser parte integral das obras de Legorreta. É mais um dos elementos que tornaram sua arquitetura tão rica. O verde aparece sempre, seja ampliando a vista de janelas, portas e terraços, seja nos recortes que faz nos muros com o fim explícito de mostrar jardins floridos, gramados e árvores, que funcionam como esculturas, plantadas em cantos inesperados, cercados de paredes sempre pintadas de cores muito fortes e muito vivas.

Fotos Reprodução
HOTEL CAMINO REAL
Primeira obra de relevo do arquiteto, o hotel foi pensado para ter pátios abertos com fontes e espelhos-d'água ligando as amplas áreas públicas

Sua primeira obra de impacto data de 1968, quando projetou o Hotel Camino Real em um terreno de 30.000 metros quadrados, em pleno centro da Cidade do México. Indo contra a convenção da época, de que os hotéis tinham de ser verticais, Legorreta fez um projeto horizontal. "A extensão de terra é uma característica mexicana. Queríamos fazer um hotel revolucionário, que mostrasse os espaços, as cores, a luz e o romantismo mexicano." Hoje, entre casas, fábricas, museus, universidades, escritórios, escolas, hotéis e praças públicas, suas obras estão – além de no México – em nove países de três continentes. É membro honorário de diversos conselhos de instituições ligadas às artes, como o do Museu de Arte Moderna de Nova York. Participa de júris de prêmios internacionais, tendo sido jurado do Prêmio Pritzker, considerado o Oscar da arquitetura. Premiado mais de trinta vezes no mundo inteiro, especula-se que seria um dos próximos ganhadores do Pritzker.

CASA DE RICARDO MONTALBÁN
O ator queria uma casa em Los Angeles que mostrasse aos americanos os valores da cultura mexicana. Foi a obra que projetou Legorreta nos EUA

Quando recebe a encomenda de um novo projeto, Legorreta fica algum tempo sem pegar no lápis. "Fico procurando a filosofia do projeto, qual é o objetivo, o que quero fazer ali. Sem nenhum planejamento, um dia faço uns pequenos croquis, sempre procurando uma forma de vida para o projeto. Esse processo pode levar até três meses. Finalmente passo o projeto para que possa ser trabalhado no estúdio", que hoje tem como sócio seu filho Victor. No momento, os projetos que mais lhe interessam são os de habitações baratas. Tem na prancheta um para 3.000 casas populares. "Isso me desperta um entusiasmo enorme. A arquitetura não é um monumento ao criador, mas um ato de serviço aos usuários." É esse o seu discurso principal para estudantes e jovens arquitetos, o de que "a arquitetura não é uma profissão para ganhar dinheiro, mas um serviço social". Desde que, se possível, com o talento do grande mestre dos espaços, da luz e das cores.

CASA EM SANTA FÉ
Muita luz natural e aberturas para integrar a casa à paisagem foram os traços marcantes nessa obra. A água é, como sempre, elemento indispensável

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