JB
Ao absolver o indecoroso Renan Calheiros, o Senado Federal, com aterradora coerência, desonra o Brasil e nos cobre de vergonha e constrangimento. Foi mais uma amostra insofismável do desapreço, da indiferença, de parlamentares corporativistas e hipócritas pela opinião de quem lhes outorgou o mandato que aviltaram. A atonia da grande decepção provocada por essa indignidade da escória da política nacional nos frustra como o despertar de um sonho e nos prostra como uma bofetada. Enquanto isso, Renan celebra nossa derrota ao lado dos Mercadantes, dos Sarneys e de outros cúmplices.
E sequer podemos anotar os nomes dos canalhas que votaram contra nossa vontade em uma lista de lembretes a ser guardada, caprichosa e sadicamente, junto ao título de eleitor. Votaram em sessão secreta, ou melhor, às escondidas, como conspiradores que almejam o fim do democratismo. Com sofismas odiosos, optaram por esconder suas intenções daqueles que os elegeram para que os representassem e votassem segundo seus anseios.
O processo contra Renan arrastou-se por pouco mais de 120 dias. Num cenário de deboche, inacreditavelmente, foi conduzido pelo próprio Renan que interferiu, com estremo descaro, em todas as etapas.
E a farsa vai continuar. Ele tem mais duas acusações a responder; ambas por quebra de decoro, e talvez ainda uma terceira. Há indícios consistentes de que Renan tenha livrado uma cervejaria de dívidas com o INSS e, em troca, a tal cervejaria comprou à família Calheiros uma empresa de refrigerantes falida. Curiosamente, o relator do processo faz parte da tribo: é o senador João Pedro (PT-AM).
Ainda sem relator nomeado, consta a aquisição por Renan, em sociedade com o usineiro João Lyra, de um jornal e duas emissoras de rádio em Maceió. Renan é acusado de ter usado "laranjas" na operação.
Uma terceira denúncia ainda não virou processo. O advogado Bruno Lins, afilhado de casamento, sustenta que Renan encabeçou um esquema de arrecadação de dinheiro em ministérios controlados pelo PMDB. Enfim, convenhamos: boa bisca, decididamente, o senador não é.
Apesar de tudo isso, para indignação do povo que representa, o Senado da República entende que Renan Calheiros é um devoto congregado mariano. É a apologia da bandalheira, o elogio do indecoro.
É por essas e outras que a opinião pública tem os políticos patrícios em tão baixa conta. Eles pouco ou nada fazem para merecer alguma respeitabilidade; pelo contrário, quando imaginamos haverem aprendido alguma coisa, afundam na imundície de novos desatinos, movidos pela ambição, pela falta de escrúpulos ou por simples desdém aos mais elementares preceitos éticos. As diatribes mais ferozes não os demovem das práticas deploráveis que povoam os noticiários. Infelizmente, esse exercício contínuo de desrespeito aos eleitores ocorre com a aparente complacência desses mesmos eleitores, que teimam em reeleger as figuras de sempre, de extensas folhas corridas. Talvez seja verdadeira a crença de que o brasileiro, embora politizado, tenha memória curta. É possível que, ao percebermos que os nossos representantes não correspondem ao que deles se esperava, lhes procuremos desculpas para as falcatruas, como se nós mesmos as tivéssemos cometido.
Alguém, com rara felicidade, comparou o político à fralda; segue-se que ambos devem ser trocados constantemente e pelo mesmo motivo. Nossos senadores acabam de nos brindar com uma demonstração cabal de que esse cotejo anônimo tem o respaldo dos fatos. É pois trocá-los como se fossem fraldas sujas. É não reeleger ninguém, exceto aquelas ínfimas exceções que, bem contadas, mal chegam aos dois dígitos. É despedi-los aos magotes e procurar esquecê-los. É incutir sangue novo em Brasília e recomeçar a vida por caminhos honrados. Se errarmos de novo, paciência; sigamos com a prática até que aprendam a respeitar nosso voto. Com esses que aí estão, já sabemos, o Brasil não vai chegar a lugar algum.