Nenhum código secreto criado pela indústria pode ser
considerado a salvo do esforço coletivo na internet
Carlos Rydlewski
Carmine Galassso/The Record |
George Hotz, de 17 anos, em seu quarto: ele trocou um telefone desbloqueado por um carro e mais três iPhones |
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Os valores nunca foram revelados, mas um acordo milionário deu à AT&T o direito de ser a operadora exclusiva nos Estados Unidos do iPhone, lançado no fim de junho. O aparelho, que revolucionou o conceito de celular, sai de fábrica programado para funcionar apenas na rede da empresa americana. Impressiona como um adolescente de 17 anos, com a ajuda de colaboradores encontrados na internet, precisou de apenas dois meses de trabalho para pôr abaixo a barreira tecnológica erguida por duas empresas poderosas. Na semana passada, o estudante George Hotz, que vive nos arredores de Nova York, colocou instruções on-line do método desenvolvido por ele para desbloquear o iPhone e permitir que seja conectado a qualquer operadora. Não foi o único a destravar o aparelho da Apple. Um grupo de jovens desenvolveu um programa que, combinado a um dispositivo fabricado na República Checa, engana o sistema de bloqueio do iPhone e permite que seja usado como telefone em qualquer país.
Duas batalhas simultâneas estão sendo travadas em torno do bloqueio do iPhone. Na comunidade global criada pela internet existe pouca tolerância em relação a travas adotadas pelos fabricantes para proteger seus produtos da pirataria. A segunda batalha é mais antiga. Tem origem no fascínio despertado pelos códigos secretos e pelo desejo natural de desvendá-los. Na verdade, há um elo comum entre o computador e a decifração de documentos criptografados. Na II Guerra, o matemático inglês Alan Turing, um dos pais da computação, chefiou a equipe que quebrou o código Enigma, usado pelos alemães para a sua comunicação por rádio. O trabalho de Turing manteve os aliados abastecidos de informações secretas nazistas durante o conflito. Agora, com a rede mundial de computadores, o processo da destruição de códigos criptografados tornou-se uma tarefa popular e, muitas vezes, rendosa. Nenhum sistema pode ser considerado a salvo do esforço coletivo na internet.
Para resolver o enigma do iPhone, Hotz organizou uma comunidade na internet que chegou a reunir 250 pessoas de várias nacionalidades. O adolescente, que usou seu quarto como laboratório e estava em férias no verão americano, disse ter dedicado 500 horas ao projeto. Concluído o processo, ele assinou um dos iPhones liberados e o colocou à venda no eBay como uma "peça da história da telefonia celular". Em lugar de vender o aparelho, aceitou uma oferta feita pela CertiCell, empresa que faz reparos de celulares. Hotz trocou o telefone "histórico" por um carro esportivo Nissan 350Z, que custa 235 000 reais no Brasil, e outros três iPhones. Ainda conseguiu um emprego na CertiCell. "Foram férias proveitosas", resumiu Hotz, que quer estudar neurociência.
Os dois sistemas já anunciados são um tanto rudimentares e de difícil aplicação – mas coisa melhor não deve demorar a aparecer. Um grupo formado por israelenses e uma empresa com sede em Belfast, na Irlanda do Norte, dizem ter desenvolvido softwares para o desbloqueio do iPhone, o que seria um método mais simples e eficiente. É contra esse tipo de adversários, com contornos de indústria, que a Apple e a AT&T terão de lutar. O sucesso na batalha é duvidoso, mesmo sob o ponto de vista legal. Isso porque os americanos que conseguiram abrir as travas do iPhone valeram-se de uma brecha na legislação de direitos autorais, o Digital Millennium Copyright Act (DMCA), que permite aos consumidores o desbloqueio de celulares. A discussão legal agora é se eles podem expor seus métodos na internet ou aferir qualquer vantagem com isso. Seja qual for o desfecho da pendência, a guerra contra os decifradores de códigos dificilmente será vencida.
Dois métodos para mudar de operadora
COM SOLDA ELÉTRICA
Desenvolvido pelo adolescente americano George Hotz, exige que o iPhone seja aberto. Não é tarefa simples, pois o aparelho não tem parafusos externos. Hotz usou solda elétrica para provocar curtos-circuitos e apagar as informações gravadas em dois chips, um deles responsável pelo reconhecimento do cartão original da AT&T. Num segundo passo, que exige o emprego de nove softwares e trinta aplicativos, os dados da nova operadora são transferidos para o iPhone.
O TRUQUE DO CARTÃO
Um software transfere os dados do cartão original da AT&T para um pequeno dispositivo, com aparência de um envelope, chamado Turbo Sim, fabricado pela empresa checa Bladox. O cartão da nova operadora é colocado dentro do Turbo Sim. As informações originais da AT&T iludem o sistema de proteção do iPhone e fazem com que o aparelho funcione. Mas as ligações são feitas por meio do cartão da nova operadora, colocado dentro do Turbo Sim.