Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 20, 2007

Voracidade fiscal e atraso



editorial
O Estado de S. Paulo
20/3/2007

A voracidade fiscal e a fome de poder dos sindicatos acabaram prevalecendo. Ao sancionar a Lei da Super-Receita, o presidente da República vetou a emenda 3, que proibiria os auditores fiscais de atropelar contratos e desconstituir pessoas jurídicas prestadoras de serviços. Perdem com isso não só os profissionais que ganham a vida por meio desses contratos e que permanecem condenados à insegurança jurídica e sujeitos ao arbítrio de funcionários superpoderosos. Perdem todos os brasileiros que vivem cercados por barreiras contra a modernização. Qualquer brecha nessas barreiras é um ganho para a economia nacional, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu impedir a abertura de mais uma pequena fenda.

Ele foi pressionado pelos ministros da Fazenda e do Trabalho e por dirigentes de grandes centrais sindicais. O principal pretexto para o veto foi a proteção dos direitos trabalhistas. De acordo com a emenda, o auditor não poderia, com base apenas em seu arbítrio, autuar a empresa. Só poderia agir com base numa decisão da Justiça do Trabalho.

O motivo alegado pelo governo e pelos sindicalistas não convence nenhuma pessoa informada. Os objetivos são obviamente outros, e muito menos nobres. A evidente preocupação do Executivo é com a arrecadação tributária e com a manutenção do enorme poder exercido por seus agentes. Do lado sindical, o interesse é manter a influência sobre o maior número possível de trabalhadores, em geral malservidos pelas organizações que se apresentam como defensoras e porta-vozes dos assalariados.

O compromisso do governo de mandar ao Congresso um projeto de lei para regulamentar o assunto não basta para disfarçar os interesses do Executivo. Pela proposta anunciada, o auditor fiscal só poderá agir depois de emitir uma notificação ao delegado regional da Super-Receita. A este caberá decidir se haverá ou não multa.

A empresa multada ainda poderá recorrer na esfera administrativa e, se for o caso, apelar para a Justiça. Mas ficará sujeita às pressões do Fisco e vulnerável aos transtornos decorrentes dessa condição. Não se inclui entre as preocupações do governo deixar que os brasileiros trabalhem e produzam em paz, concentrando tempo, capital e talento em atividades úteis para a sociedade.

Nesse esforço de impedir o progresso, o Fisco e a burocracia têm a colaboração de organizações sindicais que se tornaram irrelevantes para grande parte dos trabalhadores e que dependem, para sobreviver, principalmente de sua condição de apêndices de um Estado balofo e ineficiente.

O Congresso poderá derrubar o veto presidencial, se a base aliada não obedecer fielmente às determinações do Executivo. Para isso, muitos parlamentares terão de mudar de posição sobre o assunto. A emenda 3 foi apresentada por 63 dos 81 senadores e aprovada por votação simbólica no Senado. Na Câmara, os votos favoráveis foram 304. Os contrários, 146. Mais de 200 entidades empresariais e profissionais apoiaram a aprovação.

Ao optar pelo veto à emenda, o governo justificou, mais uma vez, todo tipo de suspeita quanto às suas intenções quando trata de regras tributárias. Ele parece determinado a submeter o contribuinte ao arbítrio da Receita, cujos funcionários exerceriam funções que são prerrogativas da Justiça. Não se pode, portanto, deixar de reconhecer bons motivos para quem vê com desconfiança as mudanças propostas para a Lei de Execuções Fiscais.

O principal objetivo alegado pelas autoridades é perfeitamente defensável. Simplificar a cobrança, resolvendo na esfera administrativa o maior número de casos, seria bom para as finanças públicas, para o Judiciário, que ficaria livre de grande número de processos, e também para a maioria dos contribuintes. O assunto não é novo e há razões muito boas para se cuidar de uma reforma. A mudança, no entanto, só será bem-vinda se não prejudicar os direitos dos contribuintes.

Quanto a isso não há nenhuma segurança neste momento. Segundo advogados tributaristas, o governo passaria, com as inovações pretendidas, a ter poderes excessivos para a cobrança de tributos. O contribuinte perderia a proteção do Judiciário e ficaria sujeito à arbitrariedade do Fisco. É preciso evitar que qualquer dos anteprojetos em estudo seja convertido em projeto de lei sem uma discussão muito mais ampla. Toda cautela é justificável, diante do comportamento do governo.

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