editorial |
O Estado de S. Paulo |
20/3/2007 |
Faz mais de um quarto de século que suas principais políticas econômicas seguem as leis de mercado; estimulado por grande volume de investimentos estrangeiros, seu crescimento econômico é impressionante e a colocou entre as maiores economias do mundo; o setor privado já responde por 65% de seu Produto Interno Bruto (PIB) e por cerca de 70% da arrecadação tributária; e alguns governos estrangeiros - inclusive o do Brasil - até reconheceram que ali vigora uma economia de mercado. Mas, a despeito das muitas e profundas transformações pelas quais a China passa há bastante tempo, a mudança que a Assembléia Nacional Popular (o Parlamento chinês)aprovou no último dia de sua reunião anual é histórica. Na semana passada, depois de 13 anos de debates e recuos, foi transformada em lei a proposta que protege o direito à propriedade privada na China. Até o ano passado, intelectuais socialistas e membros da ala esquerda do Partido Comunista chinês ainda resistiam duramente à legalização da propriedade privada no país, de onde fora banida em 1949, quando os comunistas liderados por Mao Tsé-tung tomaram o poder. Os que ainda defendem a “ortodoxia marxista” entendem que essa medida destruiria o pouco que resta dos princípios da revolução maoísta. Por causa dessa resistência, o tema nem chegou a ser mencionado pelo primeiro-ministro Wen Jiabao, no discurso com que abriu a reunião anual da Assembléia Popular, no último dia 5. Também na entrevista que concedeu na sexta-feira passada, no encerramento da reunião, Wen evitou o assunto. O texto da lei, de 274 artigos, não foi inteiramente divulgado, mas o que trata do direito à propriedade privada é claro e estabelece que “a propriedade do Estado, da coletividade, do indivíduo e de outras partes é objetivo de proteção legal, e ninguém nem nenhuma instituição pode atentar contra ela”. O objetivo da lei, como explicou o governo, é manter o estímulo aos investidores privados e acabar com a ansiedade da florescente classe média urbana e das classes altas, temerosas de verem confiscados os imóveis ou automóveis que adquiriram nos últimos anos. Até agora, o governo vendia o direito de uso de imóveis urbanos - apartamentos, salas e terrenos -, especialmente nas grandes cidades, por até 70 anos. Esses direitos eram negociados, mas sobre o negócio sempre pairava a ameaça de supressão, pelo governo, do direito de uso. Essa ameaça não existe mais. O que ainda não se sabe é se o direito à propriedade privada se estenderá à zona rural, onde estão os principais problemas sociais do país. Do 1,3 bilhão de habitantes do país, 900 milhões vivem no campo, com renda per capita de US$ 420; nas áreas urbanas, a renda é mais de três vez maior, de US$ 1.354. Por falta de garantias, famílias de agricultores têm sido afastadas das terras em que trabalhavam em decorrência de desapropriações decididas arbitrariamente por autoridades locais, para a construção de fábricas, centros comerciais ou outros empreendimentos de maior rentabilidade. O empobrecimento da população rural gera tensões que o governo tem dificuldades crescentes para conter. Na abertura da reunião da Assembléia Nacional, Wen Jiabao prometeu aumentar o rendimento da população rural e destinar mais recursos do governo para projetos sociais - e, para agradar a outras áreas, anunciou verbas também para a defesa e a proteção ambiental. Tudo será feito, completou o primeiro-ministro, para se buscar uma “sociedade harmoniosa”. O governo de Pequim demonstra tal confiança no potencial de crescimento do país que não vê mais necessidade de atrair capitais estrangeiros com vantagens excessivas. Propôs - e, como sempre, a Assembléia Nacional aprovou - a elevação, de 15% para 25%, da alíquota do imposto sobre os lucros que as empresas estrangeiras pagam nos dois primeiros anos de operação. Ainda assim, essas empresas terão vantagem sobre as nacionais, taxadas em 33% sobre os lucros. Haverá avanços também na política? Em artigo publicado no jornal oficial Diário do Povo, o primeiro-ministro escreveu que “a democracia, o Estado de Direito, os direitos humanos não são exclusividade do capitalismo”. É preciso ver se, nesse campo, a China será capaz de dar o “grande salto”. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, março 20, 2007
Propriedade privada na China
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