Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 21, 2007

A venda da Ipiranga



editorial
O Estado de S. Paulo
21/3/2007

Numa operação aguardada há anos, as famílias controladoras do Grupo Ipiranga - que atua na petroquímica, na distribuição e no refino de petróleo - venderam-no à Petrobrás e aos grupos privados Ultra e Odebrecht, que desembolsarão cerca de US$ 4 bilhões na compra da totalidade das ações ordinárias e preferenciais - estas, em geral, em poder de acionistas minoritários. Mais do que pelos efeitos que a operação terá no segmento do petróleo, ela se justifica por seus aspectos geopolíticos, ao afastar um grande e incômodo interessado no Grupo Ipiranga - nada menos do que a estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA), principal fonte dos recursos com que conta o coronel Hugo Chávez, que manda e desmanda na empresa.

Ficou público, em março do ano passado - pouco depois de a PDVSA ter associado seu nome à conquista do carnaval carioca, ao dar R$ 1 milhão para a vencedora do grupo especial, a escola Unidos de Vila Isabel para fazer propaganda da “revolução bolivariana” -, o interesse da estatal venezuelana pelo Grupo Ipiranga. E já naquele momento a operação só não foi adiante devido à intervenção, nos bastidores, da Petrobrás, contrária à presença da PDVSA na distribuição de derivados no Brasil.

A conveniência de afastar a PDVSA vai muito além dos aspectos comerciais do negócio. Se a estatal venezuelana já se havia imiscuído no carnaval do Rio, nada a impediria, em tese, de se tornar uma promotora do chavismo no Brasil. E, neste caso, agiria com recursos dos consumidores brasileiros - que, certamente, seriam atraídos pela política agressiva de preços de derivados que a PDVSA costuma praticar, sabendo-se que a gasolina vendida na Venezuela é das mais baratas do mundo.

Apesar de algumas críticas eventualmente justificáveis, como as dos minoritários do Grupo Ipiranga com ações preferenciais, a venda foi conduzida com os cuidados próprios de um negócio de grande porte, o maior da história do Rio Grande do Sul, sede do Ipiranga.

A operação significará um aumento da concentração no segmento petroquímico, por intermédio da Petrobrás e da Braskem, do Grupo Odebrecht - que ficarão, respectivamente, com 40% e 60% do capital da Ipiranga Petroquímica, controladora da central de matérias-primas Copesul, instalada no Rio Grande do Sul. A Petrobrás, que ficou com 15% das ações das centrais petroquímicas após a privatização, na década passada, recupera participação com a aquiescência do setor privado, que demonstrou preferir operar junto com a estatal nos segmentos que dependem da nafta.

A operação foi elogiada por uma empresa concorrente, a Unipar, cujo presidente, Roberto Garcia, afirmou que a aquisição do Grupo Ipiranga fortalece a produção de petroquímicos na Região Sudeste. “Esse movimento seria negativo se houvesse a entrada de algum competidor que não é do setor ou de um grande grupo internacional, o que poderia gerar algum desequilíbrio”, disse.

Também na distribuição de derivados - onde o Grupo Ipiranga ocupa o segundo lugar - haverá concentração, mas limitada às Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, onde a BR Distribuidora, da Petrobrás, passará a controlar, respectivamente, 60%, 50% e 47% do mercado. A operação de distribuição de derivados mais importante do Grupo Ipiranga, nas Regiões Sul e Sudeste, ficará com o Grupo Ultra.

O Cade, órgão de defesa da concorrência, deverá avaliar a concentração nos segmentos da distribuição e da produção de resinas termoplásticas, mas nada sugere risco de que a operação seja contestada, como notou o consultor Adriano Pires.

A venda do Grupo Ipiranga foi bem recebida pelos investidores. Houve valorização dos papéis da Petrobrás, da Braskem e da Ultrapar - cujo presidente, Paulo Cunha, anunciou a intenção de emitir US$ 1,6 bilhão em ações para pagar os acionistas do Ipiranga.

As conseqüências da operação para a indústria do petróleo são claras. Consolida-se o setor petroquímico com a parceria entre a Petrobrás e o Odebrecht, que agora controla, além da Copene, no Nordeste, a Copesul. A Petrobrás volta, portanto, a ser um ator-chave no setor petroquímico.

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