Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 21, 2007

Crise no ar e pane no governo



editorial
O Estado de S. Paulo
21/3/2007

Seria de rir, se não fosse de chorar. O presidente Lula ordenou a apuração “imediata e rigorosa” do apagão aéreo de domingo, causado por uma pane no sistema de processamento dos planos de vôo no Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo (Cindacta-1), em Brasília, e agravado, horas depois, por outra pane, dessa vez no sistema elétrico no mesmo aeroporto. A determinação do presidente tem a óbvia intenção de levar a opinião pública a crer que este é um governo que ou se antecipa aos problemas ou, sendo impossível preveni-los, os ataca imediatamente e com rigor, até a raiz. A ordem consta da nota oficial sobre a reunião do presidente, na segunda-feira, com os ministros e as autoridades de sempre, quando se trata de problemas do setor.

É uma patacoada. O transporte aéreo no Brasil vem sofrendo apagões periódicos há quase meio ano, a contar da operação-padrão adotada pelos controladores de vôo que se seguiu à maior tragédia da aviação civil no País, a colisão entre o Boeing da Gol e o Legacy da empresa americana ExcelAir, em 29 de setembro - e, nesse tempo todo, o governo não fez rigorosamente nada para normalizar o sistema, em terra e no ar. Nem mesmo para o mal - a derrubada do pedido de instalação da chamada CPI do Apagão, apresentado na Câmara pelo PSDB, PFL e PPS - o governo e os seus operadores conseguiram agir sem tardança e com rigor. Foram incapazes de impedir que deputados da base aliada, notadamente do PDT, assinassem o requerimento de convocação do inquérito, ajudando a dar-lhe o número necessário de firmas.

A pane política do lulismo sobrou para o presidente petista da Câmara, Arlindo Chinaglia. Ele teve de invocar o estapafúrdio argumento de que a CPI carece de “fato determinado”, não podendo portanto ser criada. (A oposição recorreu ao Supremo Tribunal Federal.) Fosse ele dizer isso aos milhares de passageiros estremunhados e funcionários estressados, reféns da crise nos aeroportos nacionais, não escaparia incólume. Transpondo a fronteira do cinismo, Chinaglia permitiu-se até fazer blague com o caos. Ao constatar que a sessão de anteontem teria de ser cancelada por falta de quórum - porque numerosos parlamentares não puderam viajar a tempo a Brasília -, disse que, “realmente, o fato determinado prejudicou a sessão”. Sobre a CPI, soltou uma pérola digna do febeapá do inesquecível Sérgio Porto: “Mais do que investigar os problemas aéreos, o importante é encontrar uma solução.”

Não há “uma” solução para o descalabro em que se entrelaçam questões de natureza distinta, como a situação funcional, o preparo duvidoso, a paga insuficiente e as más condições de trabalho dos controladores de vôo; a obsolescência dos equipamentos usados para monitorar o tráfego aéreo; a formidável expansão do número de passageiros transportados nos vôos domésticos e da oferta de linhas aéreas; a saturação dos aeroportos e a insuficiência de suas pistas.

E, de fato, não seria preciso instaurar uma CPI para descobrir que a autoridade federal responsável principal pelo controle e administração do espaço aéreo no território, o ministro da Defesa Waldir Pires, não dispõe de condições mínimas para o exercício da função. Fora isso, porém, há mais caixas-pretas a serem abertas no setor do que o governo tem interesse em abrir.

Estão longe de ser levianas, antes de mais nada, as suspeitas de que a estatal criada para gerir os serviços básicos do sistema, a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), condensa o que a área pública brasileira pode ter de pior, em matéria de incompetência, promiscuidade com interesses privados e corrupção à moda antiga. Com base em denúncias anônimas, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou em 2005 graves irregularidades em obras realizadas em pelo menos oito aeroportos, entre os quais Congonhas, Cumbica e Viracopos.

Há o de costume: licitações dirigidas, contratos engordados com sucessivos acréscimos de 25% sobre o valor original, pagamentos de R$ 8 milhões antes do término do trabalho.

Se é verdade que não se pode culpar a Infraero pela crise de gestão do tráfego, que cabe à Aeronáutica, as mazelas da estatal tampouco podem passar sem uma investigação que já tarda. É o que o governo teme.

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