Todo reducionismo é um terrorismo, porque nega a complexidade da ação social humana, com as suas conseqüências imprevistas, advindas da liberdade; e com a sua perene obrigação de, em qualquer caso, intervir. Pois em sociedade (algo bem diferente deste nosso mal politizado “social”) não fazer nada é um modo quase sempre aviltante, como estamos testemunhando, de intervenção.
No mundo humano, tudo, inclusive ficar de braços cruzados, tem sentido.
As ondas do caso João Hélio mostram o que salientei: a nossa incapacidade de relacionar o geral com o particular; de compreender que o social” (aspeado) não se resolve sozinho e que ele tem tantos lados que é mesmo complicado abri-lo, pois não há um modo de isolar um dos seus fatores sem que os outros apareçam.
Eu me explico. Todo crime não só tem componentes “sociais”, mas é, ele próprio, social! Não apenas porque nossa consciência de culpa e nosso sentimento de autocomplacência tenham atingido o nível estratosférico do dos nossos políticos, mas simplesmente porque o social (sem aspas) não pode ser reduzido às suas dimensões utópicas”; ou seja: a certos ideais e valores. Não vou entrar no mérito do pensamento utópico, porque não posso imaginar que alguém seja favorável à miséria, e ao crime. O ideal seria viver numa sociedade equilibrada e, na utopia, sem nenhuma mazela.
Mas o problema é que o social das disciplinas sociais que, com enorme esforço, muitos erros e alguns acertos, estudam as utopias contra o desejo dos utópicos; que examinam a santidade contra a vontade dos religiosos; que denunciam os erros e riscos do mercado, contra o credo dos ideólogos do capitalismo; e que fazem o mesmo contra o desejo do realismo policialesco que, no fundo, são tão utópicos quanto os outros; engloba tudo, fala de tudo, diz respeito a todos os costumes, valores, leis, pensamentos e gestos.
Neste sentido, dizer que a criminalidade tem uma causa “social” é afirmar o óbvio. Não é preciso ir tão longe para assumir que o Brasil é um país injusto; não é preciso inventar um “social” qualificado como culpado, do qual seríamos os donos, para afirmar que todos os problemas sociais são complicados. Mas seria o complicado insolúvel? Teria ele o dom de racionalizar nosso imobilismo político e moral? Os menores cometem crimes hediondos e esses crimes se avolumam. Seria reacionário sugerir que se discuta a mudança da menoridade para propósitos criminais, com relação a certos crimes, sobretudo se a sociedade vive num clima de plena e imoral impunidade? Vamos mais uma vez entrar no cabo-de-guerra imbecil, tipo: quem é favorável à mudança da idade da criminalidade penal é adepto da visão repressora segundo a qual o social se resolve com polícia; nós, os escolhidos, os esclarecidos e os revolucionários do bem, somos adeptos da transformação do “social”.
Quando foi que o uso da polícia contra o crime deixou de ser também social? A transformação da polícia e do sistema carcerário não estaria ligada a essas mudanças? Aliás, reacionário é assumir que todo crime tem como centro o tal “social” que seria irredutível e indecifrável. Sejamos inteligentes: o centro do atraso brasileiro não estaria justamente nesse argumento que o “social” pertence a pessoas boas, sempre prontas a detonar um “Você sabe com quem está falando?”, que não admite desempacotá-lo? Como foi que acabamos com a inflação? Se fôssemos nos guiar pelos argumentos do “social” impressos no estruturalismo Cepalino, estaríamos até hoje sendo comidos pelo “dragão inflacionário” lido como uma praga insanável: bíblica no seu elo essencial com o Brasil.
Como fazer se, pelo diagnóstico reducionista, o doente é incurável? A resposta está na educação. Mas a “educação” estaria livre de escolhas, arbitrariedades e limites? Estaria ela liberta do bom senso que manda rever a lei quando se desconfia de que há algo de errado com ela? Quem foi que disse que 16 anos para a responsabilidade criminal não é educativo? Se o julgamento do que é politicamente adequado ao Brasil pode ser realizado numa consciência de 16 anos, capaz de discernir sutilezas como “aquele é reacionário”, “esse é progressista”, “aquele é populista”, “este foi o autor da herança maldita”, “este vai nos redimir”, etc... por que transformar em dogma a discussão da diminuição da menoridade criminal? O que quero dizer é o seguinte: se a discussão da onda de criminalidade que vivemos se reduzir à burrice de um cabo-de-guerra entre os bons, que reduzem tudo à educação e ao “social”; e aos maus, que enxergam a questão a partir do mundo real: o mundo da dor e dos menores e maiores assassinos, e sabem que todo ato criminoso é também um caso de polícia, então estaremos fazendo como as aranhas do velho Machado de Assis: querendo acabar com a fraude eleitoral mudando a forma das urnas. No caso, usando o “social” contra nossa própria sociedade, numa prova cabal que queremos tudo, menos mudar.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2007
(5161)
-
▼
março
(523)
- VEJA Carta ao leitor
- Anna Nicole Smith: a morte foi acidental
- O avanço das hidrelétricas na Amazônia
- A revolução do contêiner
- Malharias catarinenses ganham as passarelas
- Betty Milan, a nova colunista de VEJA
- Hormônios sintéticos contra o envelhecimento
- Médicos receitam estatinas até para crianças
- Quilombolas de todas as cores pleiteiam terras
- Aviação Agora parou de vez
- Atentado contra estudantes africanos em Brasília
- Partidos A fidelidade partidária em julgamento
- Trevisan denunciado por ex-companheiros
- Rabino Henry Sobel é preso por furto
- Roberto Pompeu de Toledo
- Diogo Mainardi
- André Petry
- MILLÔR
- Claudio de Moura Castro
- VEJA Entrevista: Constantino Junior
- Cindacta, a bomba por Guilherme Fiuza
- Dentro do cofre do PCC
- Feitos para crer
- A Gol e a goleada de Constantino Júnior
- Apagão aéreo: Lula entrega tudo o que os controlad...
- Miriam Leitão Razão do avanço
- MERVAL PEREIRA -Visão social
- DORA KRAMER Vacância de responsabilidade
- RUY CASTRO
- FERNANDO RODRIGUES
- CLÓVIS ROSSI
- Leôncio Martins Rodrigues Não dá mais para ignorar...
- Colunas O Globo
- Opinião Estadão
- Dora Kramer - O santo ainda é de barro
- Opinião Folha
- Colunas Folha
- REINALDO AZEVEDO Lula estatiza a isenção jornalist...
- Devagar, quase parando Villas-Bôas Corrêa
- PIB ainda por esclarecer
- Os paradoxos do novo PIB
- Os contratos na Bolívia
- Muito oba-oba para pouco PIB
- Força para os partidos
- Começou a reforma política
- Dora Kramer - Justiça tenta outra vez
- Celso Ming - Melhor na foto
- Alberto Tamer - Irã, em crise, raciona gasolina
- Merval Pereira - Novo patamar
- Míriam Leitão - Visão global
- Pela moralização
- A ministra pode esperar sentada
- Benefícios para a elite- Carlos Alberto Sardenberg
- Indústria, o patão feio do PIB "novo"
- Eliane Cantanhede - Na mosca
- Clóvis Rossi - A pergunta que falta a Lula
- A ONDA POPULISTA por Jorge Bornhausen
- Vôo cego
- Aversão ao cotidiano
- Míriam Leitão - Nova fotografia
- Merval Pereira - Procurando caminhos
- Élio Gaspari - Nem Salazar nem Cunhal. Viva Sousa ...
- Villas-Bôas Corrêa Os três poderes no compasso da...
- Aviões desgovernados
- O debate político e o PIB "novo"
- Peripaque: confissões
- Protestos fúnebres - Ruy Castro
- Clóvis Rossi - Dar entrevista não dói
- Fernando Rodrigues - "Democratas"
- Lula e o apagão aéreo
- CELSO MING Eletrocardiograma de um vivo
- Racismo de Estado por DORA KRAMER
- A lógica do julgamento político
- Valerioduto desviou R$ 39 mi do BB, diz PF
- Entrevista:Demétrio Magnolli- 'É uma incitação ao ...
- 'Não é racismo quando um negro se insurge contra u...
- REINALDO AZEVEDO Matilde e a revolução
- INFINITO ENQUANTO DURA por Adriana Vandoni
- A ministra Matilde Ribeiro tem de ser demitida e p...
- Energia empacada e falta de luz
- Clóvis Rossi - Estatizar o Estado
- Eliane Cantanhede - Multiplicação de aliados
- Painel - Permuta
- Produtor de água- Xico Graziano
- Dora Kramer - Padrão de (má) qualidade
- Celso Ming - A fatia do leão
- Concluir Angra 3
- A moeda de troca no Mercosul- RUBENS BARBOSA
- Pior mesmo é a brutal informalidade- JOSÉ PASTORE
- Míriam Leitão - Bela senhora
- Merval Pereira - Pulseira de segurança
- Luiz Garcia - Decisões longevas, vidas curtas
- Tarso e a verdade- Demétrio Magnoli
- Em cena, o Democratas- Ricardo Noblat
- Desejos, frustrações e distúrbios sociais
- Comemorando o quê?- Carlos Alberto Sardenberg
- Fernando Rodrigues - Lula e oportunidades perdidas
- Força a demonstrar
- Nas águas do futuro- José Serra
- Uma sociedade doente- Luiz Carlos Bresser-Pereira
-
▼
março
(523)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA