Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 07, 2007

Miriam Leitão Cartas na mesa

Na mesa de reunião, os assuntos eram tributos e finanças, mas as cabeças foram para a política quando chegou a notícia de que o ex-ministro Nelson Jobim havia desistido de concorrer. Os governadores do PMDB saíram da sala para um longo conchavo nos jardins. O tom da reunião foi relaxado e positivo. O presidente Lula admitiu que os estados estão asfixiados e concordou com várias propostas.

Na abertura e no encerramento, defendeu teses e exortou os outros governantes.

A tese que defendeu foi que o problema da violência não é de polícia; é uma questão social. A exortação foi aos governadores, para investirem na qualidade da educação.

Já os governadores focaram em sua pauta, defenderam propostas concretas e, se um estrangeiro entrasse lá, não saberia quem era oposição, quem era governo.

O governador de Minas, Aécio Neves, reclamou da Lei Kandir. Guido Mantega quis incluir o assunto para a discussão da reforma tributária.

Ficaria para as calendas.

Lula concordou que o tema seja discutido à parte.

José Roberto Arruda, governador do Distrito Federal, pediu o que muitos queriam: parte da CPMF. Seus cofres recolhem, por ano, R$ 30 bilhões que continuarão — pelo que repetiu o ministro Mantega aos governadores — exclusivamente da União.

Vários defenderam a idéia de que os estados possam negociar sua dívida no mercado e securitizar a dívida ativa. A equipe econômica ficou de estudar a idéia.

Em março de 2003, os governadores se reuniram com o presidente, e a proposta do governo foi fazer uma reforma tributária, nunca feita.

Desta vez, vários governadores com quem falei ontem estavam esperançosos de que possa ser diferente.

O secretário Bernard Appy apresentou o esboço da reforma.

Primeiro, o diagnóstico do inegável: tudo é muito confuso no sistema tributário brasileiro. Depois, a escolha de um culpado: a guerra fiscal, que tiraria dos cofres públicos R$ 25 bilhões por ano.

Por fim, a proposta de um Imposto sobre Valor Agregado, cobrado no destino. Aliás, dois IVAs, um federal e um estadual, substituiriam ICMS, IPI, PIS, Cofins e Cide. A idéia será detalhada no Confaz.

Parece com outras propostas, mas tem algumas pérolas, como esta: “nas operações interestaduais, o imposto seria integralmente cobrado no estado de origem, mas apropriado pelo estado de destino”. Ou seja: um estado cobra e manda o dinheiro para o outro. Isso funciona? Alguns ministros falaram: Fernando Haddad, Guido Mantega. Tarso Genro falou pouco. Dilma Rousseff ficou em silêncio. A palavra foi para os governadores. Primeiro, Yeda Crusius, que reclamou: a interpretação do Judiciário da Lei de Responsabilidade Fiscal muda de estado a estado.

O governador de Alagoas, Teotonio Vilela (PSDB), falou de sua situação dramática e agradeceu a ajuda do governo federal. O da Paraíba, Cassio Cunha Lima, fez uma sugestão: a liberação da caução depositada pelos estados na negociação da dívida com o governo federal. O presidente Lula considerou justo. Pode significar R$ 2 bilhões para os estados.

O governador de São Paulo, José Serra, defendeu a suspensão do PIS/Cofins sobre empresas estaduais de água e esgoto, e que esses recursos não recolhidos pudessem ir para investimento.

Seria R$ 1,3 bilhão. Aécio deu o exemplo de Minas, que paga R$ 130 milhões por ano nesses impostos: — Se eu ficar com esse dinheiro, em dois anos, consigo fazer o saneamento do Vale do Jequitinhonha e Mucuri inteiros.

Paulo Hartung (ES) fez uma proposta intermediária, que significaria queda dos impostos recolhidos pelas empresas de saneamento, mas os governadores bateram pé no fim da tributação.

Houve propostas para se ter a DRE, ou seja, os estados poderem não cumprir toda a obrigação de investir em educação e saúde, como a DRU permite ao governo federal.

Alguns governadores foram contra. Entre eles, o governador do Rio, Sérgio Cabral.

Guido Mantega anunciou o apoio do governo a uma emenda que regulamenta o pagamento de precatórios, fixa um percentual anual.

Foi apresentada também a proposta da pauta dos governadores de que não fosse contingenciado o orçamento da segurança. Quando perguntaram isso a Mantega, ele disse que o presidente falaria sobre no final.

— Pode falar, Guido — disse o presidente Lula.

A boa notícia foi que o governo concorda com a proposta e quer também que os estados não contingenciem.

Os governadores pediram que os 5% a mais do Fundeb pudessem ser descontados da dívida que é paga ao governo.

Lula concordou.

Cinco horas e meia depois, a reunião se dispersou no ataque ao arroz com feijão, carne de carneiro. Havia a opção light de peixe, mas a fome era muita, confessa um comensal.

Foi do governador Luiz Henrique (SC) a idéia de uma reunião a cada três meses.

Alguns chiaram, mas emplacou. A próxima será em junho, sobre educação.

Quando se discutia isso, Lula chamou Haddad e disse: — Até lá, faça reunião com todos os secretários de educação.

Quem ouviu entendeu: Fernando Haddad fica.

Muitos governadores saíram satisfeitos, achando que há chance de o país ser, um dia, uma Federação. É; pode ser. Mas a reunião de ontem ainda foi muito na base em que os estados pedem e a União é o poder concedente. E ainda é preciso conferir se o sim de Lula a tantas propostas será confirmado pelos fatos.

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