ois meses e meio depois de tomar posse de seu segundo mandato, o presidente Lula deve anunciar o Ministério na próxima semana, depois de um tortuoso processo de escolha que misturou espertezas políticas de boa cepa, que andavam fazendo falta no nosso cenário, com golpes fisiológicos escancarados, que, por não terem dado certo, só serviram para ofuscar os movimentos politicamente bem-sucedidos. Poucas vezes na história recente viu-se um presidente da República exercer de maneira tão fria e calculista seu poder na formação da equipe de governo.
O ponto negativo da manobra de Lula foi a falta de timing, a demora demasiada, que deixou diversos ministérios paralisados pela indefinição, e a sensação desagradável de que tínhamos um presidente que parecia não saber o que queria. Ao contrário, tudo indica que Lula pode ter conseguido formar seu ministério do segundo mandato com aqueles que queria, independentemente dos partidos políticos.
Mas deixou pelo caminho mortos e feridos em batalhas às vezes sangrentas, como a que humilhou em praça pública a ex-prefeita Marta Suplicy, até deixá-la exposta em toda a sua fragilidade política; outras vezes silenciosas, como quando obrigou o PMDB a aceitar como sua a indicação do sanitarista José Gomes Temporão para o Ministério da Saúde.
No primeiro caso, ele se revelou um político frio, quase sádico, no tratamento público de um dos ícones do Campo Majoritário do PT.
Provavelmente a rejeição tenha sido mais ao grupo político que tenta intimidá-lo do que à pessoa da ex-prefeita, embora sua figura política arrogante, e sua ambição considerada quase desmedida, devam ter influenciado bastante a decisão de Lula de vê-la pelas costas ou, pelo menos, enfraquecida.
No episódio, Lula mais uma vez se mostrou capaz de abandonar velhos companheiros sem olhar para trás, como já fizera com o senador Aloizio Mercadante, trocado pela própria Marta Suplicy na coordenação do segundo turno da campanha presidencial depois que Mercadante, além de derrotado por José Serra já no primeiro turno, viu sua campanha para governador envolvida no escândalo da compra do dossiê.
No caso de Temporão, Lula adotou os melhores métodos de velhos políticos mineiros, transformando uma escolha pessoal em desejo do PMDB. Nesse processo tumultuado de escolha do Ministério, Lula utilizou-se mais de uma vez de uma tática usual de Tancredo Neves: espalhava nomes que estariam cogitados, apenas para receberem vetos públicos que inviabilizariam a escolha.
Mas, ao contrário dos antigos mestres políticos, o presidente se meteu onde não devia pelo menos duas vezes, sempre por inspiração dos senadores Renan Calheiros e José Sarney, e duas vezes saiu derrotado.
O apoio à reeleição de Aldo Rebelo à Presidência da Câmara tinha duas motivações: pelo lado de Lula, o enfraquecimento do PT; pelo lado da dupla de senadores, o acordo de longo prazo que previa a sucessão de Calheiros por Sarney na presidência do Senado dentro de dois anos.
Como na Câmara havia um acordo entre o PMDB e o PT para um rodízio também daqui a dois anos, a vitória do PT significaria Michel Temer na presidência da Câmara em seguida, o que atrapalharia os planos de Sarney, pois não é usual que o mesmo partido, no caso o PMDB, faça os presidentes das duas Casas.
Por sugestão da dupla Renan Calheiros-Sarney, Lula anunciou que só se decidiria sobre o ministério depois da eleição da presidência da Câmara, numa tentativa de influir a favor da reeleição.
Quando viu que teria que engolir Arlindo Chinaglia, abandonou Rebelo pelo meio do caminho, ganhando, se não um adversário político, um ressentimento num de seus mais fiéis apoiadores e em seu partido, o PCdoB.
Mais adiante, sempre inspirado pelos dois senadores que disputam com Michel Temer a liderança do PMDB, Lula se intrometeu na sucessão do partido, apoiando o ex-ministro do Supremo Nelson Jobim para a presidência contra Temer.
Adiou mais uma vez a definição do Ministério para aguardar a convenção, que se realiza no próximo fim de semana.
Quando ficou claro que Jobim não tinha lastro nas bases partidárias, o presidente Lula jogou a toalha e começou a negociar com o grupo de Temer os cargos que queriam, o que provocou a desistência de Jobim, que perdera seu último trunfo, o apoio do presidente da República.
Jobim abandonou a disputa acusando o Palácio do Planalto de interferência em assuntos internos do PMDB, no que foi apoiado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. Seria cômico se não expusesse uma faceta trágica de nossa vida políticopartidária: a interferência do Poder Executivo é um trunfo político usado como moeda de negociação, mas vira objeto de repúdio quando se revela ineficaz.
O deputado federal Michel Temer, virtual presidente reeleito do PMDB, é o grande vencedor dessa maratona em que se transformou a montagem do ministério do segundo mandato do presidente Lula, que afinal deve sair na próxima semana.
Soube se aliar ao PT, em vez de tentar substituí-lo na coalizão governamental, reconhecendo que o presidente Lula, embora distanciado de seu partido, tem ainda raízes fortes que o ligam à legenda que fundou.
Soube unir as bases partidárias em torno de Lula pela primeira vez em muitos anos, e ganhou força política para resistir aos ataques. E pode transformar o PMDB no grande ator desse segundo mandato, enquanto conseguir manter o partido unido, o que já parece estar sob risco com a reação do grupo de Renan Calheiros e José Sarney à vitória de Temer
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