Uma nota da coluna Persona de 28/2 resgata o que os círculos políticos comentam há algum tempo: um empresário que esteve com Lula garante que ele se encanta quando se fala em terceiro mandato. Noutros espaços, mais dicas. O presidente aguarda “alinhamentos” dos partidos para fechar a reforma ministerial. Para compor os ajustes fomenta a engorda de siglas e mexe os pauzinhos para pôr Nelson Jobim na presidência do PMDB e afastar Michel Temer, e marca reunião com os presidentes do Senado e da Câmara para propor a agenda parlamentar (uma vergonha). Outra informação é que o projeto de reforma política da OAB será encaminhado à Câmara, agora sem o endosso do governo, com o qual a entidade afinara idéias. O projeto abre a possibilidade de a população convocar plebiscitos, prerrogativa hoje restrita ao Parlamento. Daria muito na vista se o governo patrocinasse o envio do pacote. Por trás de tudo isso há maquiavélica jogada.
A trama envolveria a operação para viabilizar um terceiro mandato de Luiz Inácio. A hipótese - que pode parecer absurda, pois o homem ainda patina no início do segundo mandato - se ampara na leitura das projeções sobre o País. Vejamos. A viabilidade na política é um jogo complexo. Um governo forte tem cacife para mudar regras. Por outro lado, a estabilidade macroeconômica, controlada pela visão monetarista, sustentaria a posição de tranqüilidade do País. E a política social, fincada sobre um distributivismo populista, consolidaria a cooptação de contingentes carentes. Restaria arrumar programas de impacto para as classes médias, a partir da segurança pública. Dessa forma, Lula agregaria novos pólos de poder. Ao fundo da paisagem, um deserto de lideranças. Não há, hoje, perfil capaz de disputar com o ex-metalúrgico o primeiro lugar do ranking da política. O quadro leva ainda em conta a capacidade de o País resistir a intempéries internacionais.
Dentro do figurino, cairia como uma bênção para Lula a aprovação de mecanismos transferindo para a sociedade o poder de conceder um terceiro mandato. Sólida argumentação será usada, como o princípio constitucional de que ao povo cabe o direito de usar, a qualquer hora, o poder soberano para se manifestar sobre a eleição de mandatários sem carecer de autorização de outras instâncias. A tramóia implica, portanto, aprovação de um recurso fundamental para alcançá-lo, no caso, a consulta direta ao cidadão. Esta vereda se imbrica com outros caminhos, entre eles, o domínio dos partidos e a produção da agenda parlamentar. Aqui, a trama ganha volume. Lula comanda a operação - conhecida de outros carnavais - do alinhamento interpartidário, significando troca-troca parlamentar (25 já trocaram de partido desde a última eleição), engorda e enxugamento de siglas. O PR do vice-presidente da República, José Alencar, quer chegar a 50 deputados.
O maquiavelismo abriga o comando do maior partido, o PMDB. Lula quer como presidente um soldado confiável, alguém que possa jogar em seu campo. Daí a escolha por Nelson Jobim, que passou pelo STF com a imagem de “politiqueiro” e agora desce do altar da magistratura para servir ao plano governista. Afastado da vida partidária, volta pelas graças dos senadores Renan Calheiros e José Sarney, donos de gordas fatias do bolo federal e com projetos futuros. Renan sonha com a presidência do PMDB (e com a posição de vice numa chapa presidencial em 2010) e Sarney, em voltar a presidir o Senado. Uma vitória de Temer, na convenção do dia 11, embaralharia os sonhos. Para fechar o império mandonista, o chefe do Executivo se esforça para “comandar” o Legislativo, sendo essa a razão por que agenda encontros com Arlindo Chinaglia e Renan Calheiros, presidentes das Casas parlamentares. Com um parlamentarismo majoritário, capaz de assegurar ao governo maioria estável, e um corpo sob jugo, o presidente poderá fazer aprovar estatutos que até restrinjam prerrogativas do Parlamento, como o plebiscito na forma engendrada.
Nessa costura, Luiz Inácio imita a aranha. O aracnídeo usa fios diferentes na composição da sólida teia: um para encapsular a presa, outro para formar os casulos e um terceiro para compor a moldura, feita com ralos e espirais. Liberar verbas e oferecer cargos equivale a encapsular os votantes, formar casulos implica partilhar o Ministério e ditar a agenda do Congresso é o fio de seda que fecha a trama. Ocorre que os passos de uma artimanha são medidos pelo compasso das circunstâncias. Estas abrigam sismos no meio social (desastres, comoções de massa); terremotos no sistema político (denúncias, escândalos como o mensalão); reações de partidos de oposição, que podem despertar da letargia; e pressões exógenas capazes de derrubar os eixos da estabilidade econômica. Portanto, por mais que o presidente possa vir a tecer os fios de uma perpetuação administrativa - levado pela crença de que será onipotente e infalível por muito tempo -, é plausível crer num percurso de curvas perigosas. Exemplo: se o PMDB não cair inteiro em seu colo, Lula terá seda suficiente para tecer os fios do futuro? A aranha é capaz de estender um fio por 70 km e andar sobre ele sem quebrá-lo. Esperemos para ver se o presidente consegue passar pelo primeiro grande teste da trama: saciar a sede dos partidos na fonte dos Ministérios.