Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 04, 2007

DORA KRAMER De olho na vizinhança

Por mais que a expansão da produção de etanol como fonte de energia alternativa ao petróleo e, por conseqüência, a possibilidade de abertura de novas parcerias comerciais com os Estados Unidos estejam no topo das expectativas, a visita do presidente George W. Bush ao Brasil e outros países da América Latina na semana que vem tem caráter essencialmente político.

Na visão de dois ex-ministros das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia e Celso Lafer, o interesse principal do governo Bush no momento é ver o que pode fazer para reduzir o antiamericanismo crescente na região.

Ambos concordam que o fato de a preservação ambiental e a busca por fontes de energia alternativas ao petróleo estarem na ordem do dia no mundo cria um excelente “gancho” para a retomada da agenda latino-americana, abandonada pelos Estados Unidos nos últimos anos e importante para o governo falar ao público interno hispânico, um eleitorado de muito peso.

A pauta comercial serve também para evitar quaisquer ilações de subserviência política.

Mas, na substância, Lafer e Lampreia acreditam que o objetivo central de Bush seja o de se aproximar de governantes que funcionem como contraponto ao crescimento de lideranças francamente hostis ao seu país na região: Hugo Chávez (Venezuela) e seus discípulos da Bolívia, do Equador e da Nicarágua.

“O fenômeno mais novo, e preocupante para os americanos na América Latina, é a emergência de Chávez e o aparecimento de seguidores como Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Daniel Ortega (Nicarágua). Quando vem ao Brasil e vai ao Uruguai, Bush busca valorizar os presidentes Luiz Inácio da Silva e Tabaré Vázquez, mas Lula em particular, na condição de interlocutores mais modernos e moderados”, diz o embaixador Luiz Felipe Lampreia.

Na opinião dele, pode ser até que o governo americano alimente a idéia de que Lula exerça alguma influência, em algum nível, junto à banda antiamericana da América Latina, principalmente no tocante aos planos de nacionalização de empresas.

Para Lampreia, é claro que nada disso será pedido ao presidente brasileiro, que também não deverá alterar suas relações com os vizinhos. “Mas nesse tipo de visita o simbolismo é tudo e, neste aspecto, parece clara a intenção de consolidar a percepção da existência de um diálogo diferenciado”, diz ele.

Lafer acha que essa diferenciação interessa muito ao Brasil, a despeito de cacoetes antiamericanos vigentes no Itamaraty e apontados - “com propriedade” - pelo ex-embaixador do Brasil em Washington Roberto Abdenur.

Na interpretação de Lafer, Lula aproveita a visita de Bush para fazer uma “manobra diplomática” com vistas a pontuar distanciamento em relação a Hugo Chávez sem, no entanto, precisar contestá-lo e muito menos confrontar-se com ele.

“O movimento é bom para os dois lados”, diz Celso Lafer, lembrando que o governo brasileiro já tem feito algumas ações nesse sentido: o discurso de Lula no encerramento da cúpula do Rio, exaltando a importância da preservação de princípios democráticos, o patrocínio do Dia do Holocausto junto com a ONU e a adoção da resolução do Conselho de Segurança sobre proibição de exportação de tecnologia nuclear para o Irã, enquanto Chávez faz o alinhamento inverso.

“São pequenos gestos, que no conjunto adquirem relevância, marcam uma identidade.”

Sobre as expectativas em relação à expansão da produção do etanol, da redução de imposto de importação do produto nos Estados Unidos e das parcerias em projetos de pesquisas, os dois embaixadores vêem perspectivas concretas em relação ao último item e, por enquanto, nada mais.

“O etanol é um tema que tem atualidade política e comercial, mas não se deve esperar nada muito mais que a assinatura de alguns acordos de cooperação. Nem de longe pode se imaginar que os Estados Unidos estejam dispostos a substituir uma dependência (de petróleo) por outra”, analisa Luiz Felipe Lampreia.

Há, na visão dele, “ângulos limitados” nessa discussão, todos eles relacionados à preponderância dos interesses americanos, seja na questão tarifária ou na produção agrícola do país. O comércio, nessa viagem, seria, para Lampreia, uma espécie de “balangandã”. Importante para colorir, mas um acessório dentro de um objetivo maior.

Celso Lafer adota a mesma linha de raciocínio. “Como os Estados Unidos sempre trataram com a América Latina de temas específicos, que já foram o combate às drogas, a lavagem de dinheiro e a imigração, a retomada da agenda agora se dá a partir do meio ambiente e das alternativas energéticas. Mas o alvo primordial não é esse.”

O ex-chanceler faz a seguinte ilustração para dar a idéia da dimensão dos aspectos comercial e político da visita de George W. Bush ao Brasil: “Se fôssemos comparar com uma escola de samba, a política seria o enredo, o fio condutor de todo o desfile, e o etanol a grande alegoria no carro abre-alas.”

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