Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 13, 2007

Míriam Leitão - O olho do furacão



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
13/3/2007

Se a economia não prestar atenção ao debate sobre clima, vai pagar um preço alto. É dos cientistas que estão vindo os avisos de risco. No cenário mais otimista, de que a temperatura média suba um grau, só com café a perda seria de US$327 milhões. No pior cenário a área para a produção de arroz cairia 41%, de feijão 23%, de soja 64%, de milho 15% e de café arábica 92%.

Há riscos para todos os gostos. Os cientistas brasileiros estão detalhando para o Brasil os cenários do IPCC, Painel Intergovernamental de Mudança Climática. A elevação da temperatura não será distribuída igualmente pelo país. Haverá regiões mais afetadas. Por isso é preciso dar um zoom na lente.

No domingo, começou no Rio o primeiro Simpósio Brasileiro de Mudanças Ambientais Globais. Vários estudos foram apresentados jogando o foco sobre cada um dos muitos aspectos e impactos dessas mudanças. Tudo terá reflexos diretos na economia. José Marengo, do Inpe, mostrou como cada região será afetada: perda de chuvas, aumento de dias quentes, chuvas concentradas em dias de tempestades. O Nordeste terá a maior perda de chuvas. Justo o Nordeste. Pedro Dias, da USP, mostrou o efeito no mundo do que acontece aqui na América do Sul. Os fenômenos estão ligados. Estamos todos no mesmo barco em perigo.

- Os cientistas estão começando agora uma guerra de cem anos - disse o presidente do Inpe, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Gilberto Câmara.

- Não podemos deixar de nos engajar. É a base da nossa sobrevivência no planeta, e existe um grau enorme de incerteza nos fenômenos - avisou Jacob Palis, vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, indicando aos cientistas presentes que há muito o que estudar.

Luiz Pinguelli Rosa alertou que a solução - o etanol - não pode virar em si um problema.

- Não vamos jogar a criança com a água da bacia. Não vamos destruir a Amazônia e voltar à monocultura da cana-de-açúcar.

Das várias culturas estudadas pela Embrapa, a que menos perde área própria para o plantio é a resistente cana-de-açúcar. Mas o agroclimatologista da Embrapa Eduardo Assad alertou que há um duplo risco se a cana for para a Amazônia ou para o Pantanal: destruição do ecossistema e riscos para o produtor.

- Não são áreas propícias. As condições climáticas locais vão produzir a floração da cana, e nisso ela perde energia, perde produtividade - avisou.

A grande pergunta para qualquer pessoa que olha para o tema foi levantada lá por Paulo Nobre, do Inpe:

- A mudança climática é problema para daqui a cem anos ou é um problema com efeito imediato?

Ele mostrou que a hora da ação é imediata:

- Nunca antes tivemos como agora a chance de mudar a atitude da Humanidade. A manutenção das florestas é a possibilidade de continuar existindo vida no planeta - diz Paulo Nobre.

É esse sentimento de urgência e mobilização - que já se viu nos politólogos na redemocratização, nos economistas na luta pela estabilização - que se vê agora na tribo dos cientistas. Eles se dividem por especialidades de estudo, por enfoque escolhido, divergem, mas, sobretudo, mostram um volume de dados impressionante.

No estudo mais aplicado há vários alertas. A Embrapa estuda as chances de cada cultura para orientar o financiamento agrícola; ele só é dado quando há 80% de chance de que a cultura dará certo. Não estudam a Amazônia, porque pelo zoneamento ecológico econômico lá não é área de agricultura. Agora adaptam esses estudos para as mudanças climáticas: uma área de 3,4 milhões de quilômetros quadrados, que hoje pode receber financiamento para soja, por exemplo, cairia para 3 milhões se a temperatura subir um grau; cairia de novo para 2 milhões, se subir 3 graus; no pior cenário, essa área estará reduzida para 1,2 milhão de quilômetros quadrados. Se acontecer o pior, previsto pelo IPCC, elevação de 5,8 graus, a área de plantação de soja ficaria reduzida a 37% do que é hoje em Mato Grosso, 7% no Paraná e 32% em São Paulo.

- Tudo isso, claro, se nada for feito - alerta Assad.

A Embrapa se mexe para evitar. Uma das formas: estudando o cerrado, foram descobertas 30 plantinhas que resistem a tudo - à falta de água, ao aumento de calor. A idéia é estudar o genoma dessas plantas para descobrir o gene que lhes dá essa resistência e incorporá-lo no desenvolvimento de novas espécies de sementes para várias culturas.

- Esse material genético é fundamental, mas hoje o país parece envolvido num esforço para acabar com a biodiversidade do cerrado - disse.

Se houver calor excessivo sobre as espécies de café produzidas no Brasil, a planta aborta a floração e não produz. Por isso, nas projeções do pior cenário, o café acaba em Minas Gerais.

- Vamos ter que tomar café gaúcho? pergunta-se Assad.

Com essas 30 plantas guerreiras do cerrado, quem sabe se poderá fazer um café mais resistente ao calor?

O cerrado, pouco valorizado, está sendo destruído, segundo Mercedes Bustamante, da UNB, num ritmo alucinante:

- Em 2004 e 2005 foram 28 mil quilômetros quadrados destruídos. Quem já foi a Brasília conhece o Parque Nacional. Pois a área destruída é equivalente a 93 vezes a área do parque.

O ritmo da destruição é muito mais intenso do que o de preservação e do estudo. A economia brasileira não pode mais ignorar o alerta: como grande produtor de alimentos e agroenergia, se o Brasil não proteger o meio ambiente, os problemas climáticos vão se aprofundar e afetá-lo, além de destruir as possíveis fontes de solução para os problemas que virão.

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