PANORAMA ÉCONÔMICO |
O Globo |
14/3/2007 |
O cientista político Eduardo Viola, da UnB, acha que há uma dissonância no mundo: de um lado aumentam as evidências da ciência e a consciência da opinião pública sobre os riscos da mudança climática; de outro, o mundo aumenta as emissões, e a economia política não parece capaz de mudar isso. Ele acha que o Brasil tem uma posição equivocada no debate internacional sobre esse tema. Viola tem discutido o tema da perspectiva das relações internacionais. A dissonância ele constata também entre discurso e ação: - Cada vez mais há certeza do fenômeno, e a retórica se aproxima do grau de gravidade do problema; mas as atitudes não correspondem a essa gravidade. Ao falar no simpósio que houve no Rio, Viola disse que o Brasil tem que ser um dos líderes internacionais na defesa de uma posição de constrangimento sobre os grandes emissores dos gases do efeito estufa. Em vez disso, o país defende a não-imposição de metas e limites para países em desenvolvimento, entre eles, a China, onde o problema mais cresce. A posição brasileira - defendida no primeiro dia do simpósio pelo físico Luiz Pinguelli Rosa - está baseada no princípio das "responsabilidades comuns, mas diferenciadas". A tese é de que o mundo é ameaçado hoje pelo histórico de emissão dos países industrializados ao longo dos últimos cem anos. É deles a culpa maior, caberia a eles fazer o esforço para neutralizar o problema. Já os países em desenvolvimento têm uma responsabilidade menor pelo que está acontecendo agora e precisam se desenvolver. A posição brasileira envelheceu. Hoje, o avanço das evidências científicas da gravidade do problema e a constatação de que o desmatamento da Amazônia - nossa principal fonte de emissão - provoca vários efeitos danosos para nós mesmos não permitem ficar discutindo quem no passado emitiu mais. E o pressuposto está errado: o de que o desmatamento e as emissões são subproduto natural do desenvolvimento. - Nosso desmatamento está levando a mais pobreza - lembra o climatologista Carlos Nobre, do Inpe. Viola acha que alguns países, que estão na lista dos maiores poluidores, vêm tendo bastante sucesso em reduzir as emissões, como Reino Unido, Alemanha, Suécia e Dinamarca. No Japão, a consciência do problema está crescendo. Os Estados Unidos, que já tinham adotado uma posição anti-Kyoto com a eleição de George Bush, após 11 de setembro viraram as costas para o problema. - Mas agora a opinião pública mudou - em parte pelo Katrina, em parte por Al Gore - e começa a pressionar os políticos. Os candidatos mais viáveis da próxima eleição têm bons programas nessa área. Pela ordem: John McCain (republicano), Hillary Clinton (democrata), Rudolph Giulliani (republicano) e Barack Obama (democrata). Há pressões para mudança de posição também em Canadá, Austrália, México. - Os piores países são China e Rússia, porque não são democracias. A democracia não garante que o país tenha consciência ambiental, mas ao menos há movimentos ambientalistas lutando, há pressão da opinião pública - diz Viola. E o Brasil? O Brasil, segundo Viola, pode e deve ser um dos líderes nesta questão, mas tem uma situação ambígua, com pontos fortes e fracos: tem uma matriz energética muito melhor que a de outros países; apesar disso, tem um percentual das emissões dos gases de efeito estufa bem maior do que seu peso na economia mundial; a maior parte dessas emissões vem do desmatamento. - O Brasil, pelo seu patrimônio ambiental, tem condições de ser um dos líderes do movimento por reduções de emissão globais e de constrangimento sobre os países para que adotem limites rígidos, mas não é o que o Itamaraty está fazendo. Viola diz que se o Brasil tivesse uma meta de reduzir o desmatamento a 7.000 quilômetros quadrados por ano continuaria sendo uma enorme taxa de desmatamento. O Brasil tem reduzido a taxa anual de destruição da floresta nos últimos anos, mas não aceita metas. Para o Itamaraty, países como Brasil, Índia e China e outros países em desenvolvimento não devem ter essas metas de redução. Pinguelli explicou: - As obrigações dos países ricos não podem ser estendidas aos países em desenvolvimento. Há hoje uma enorme pressão para que Brasil, China e Índia adotem metas de redução de emissão. Apesar de a China estar a ponto de superar os Estados Unidos - deve ocorrer nos próximos dez anos - o que está nos afetando foi emitido há cem anos ou mais. Apesar disso, Pinguelli diz que está preocupado com os últimos leilões de energia porque favoreceram a energia a carvão e óleo diesel. Diz também que a desigualdade brasileira faz com que, na média, o consumo de energia seja baixo no Brasil, pois o consumo dos ricos é compensado pela falta de consumo dos pobres. - Estamos protegidos pelo Protocolo de Kyoto (que não estabelece limites de emissão para o Brasil) porque os ricos consomem muita energia, mas como há muitos pobres - doze milhões não têm luz elétrica ainda - o consumo per capita é baixo. Hoje, quem tem carro emite 13 vezes mais gás carbônico do que quem anda de transporte público. Mais um ponto que fortalece a idéia de que é hora de rediscutir e atualizar a posição brasileira. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, março 14, 2007
Míriam Leitão - Das dissonâncias
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