Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 14, 2007

Merval Pereira - Critérios em xeque




O Globo
14/3/2007

O presidente Lula confunde as coisas quando diz que a reforma ministerial é um assunto que diz respeito apenas a ele, e que não tem pressa para decidir nada. Confunde sua autonomia para escolher os ministros com uma ação privada, mistura pessoa física com pessoa jurídica. O fato de estar podendo montar sua equipe sem se submeter a lobbies, sejam partidários ou de outras naturezas, é promissor, embora essa seja uma tese que ainda precisa ser comprovada na prática, não bastando que simplesmente Lula diga que é assim que está ocorrendo.

Pelas notícias de trocas de legenda, estimuladas pelo próprio governo, e das repartições de órgãos do segundo escalão que acontecem nos bastidores políticos, não transcorre exatamente num mar de rosas a montagem do Ministério do segundo mandato. Ontem já surgiram os primeiros comentários, e as primeiras denúncias, de que o esquema do mensalão estaria sendo reativado no Congresso.

Ex-líder do PFL, José Carlos Aleluia disse com todas as letras que deputados estão sendo comprados para apoiar o governo. E o ex-deputado Roberto Jefferson, um dos pivôs da crise do mensalão em 2005, relacionou o inchaço de 13 deputados no PR, e mais a prisão de um assessor de deputado com R$80 mil em dinheiro vivo, com indícios de que os mesmos métodos que tiveram nele um cúmplice e um denunciante estão de volta ao cenário político.

Além do mais, uma prerrogativa presidencial de decidir quem entra e quem sai na equipe de governo não significa que o presidente possa demorar quanto quiser para nomear sua equipe. Em um país normal, essa demora de dois meses e meio já deveria ser motivo para reclamações da sociedade, que não sabe até agora o que esperar desse segundo mandato, pois não sabe a que critérios estão submetidas as escolhas, nem quem serão os escolhidos.

O caso da ex-prefeita Marta Suplicy é emblemático. Ela está sendo fritada em praça pública devido a questões meramente de política interna do PT. Não se opõe à sua indicação nenhuma restrição administrativa, nenhuma restrição moral, mesmo que elas existam na visão particular de grupos adversários. O que Lula não quer é uma política ambiciosa na sua equipe, que poderia atropelar suas negociações políticas visando a sua sucessão em 2010.

Outro caso emblemático é o do PDT, que estaria sendo alijado do Ministério porque não estaria se comportando com lealdade na coalizão que apóia o governo. E o que seria desleal na atitude dos deputados do PDT, nessa visão de setores palacianos? Simplesmente os deputados que assinaram o pedido de convocação da CPI do Apagão Aéreo se recusaram a retirar suas assinaturas.

Se for verdade, o que o Palácio do Planalto exige como chave para as delícias do poder é uma submissão total aos seus desejos. Outra atitude "independente" que estaria desagradando ao Planalto são as emendas apresentadas pelo deputado Miro Teixeira, um ex-ministro e amigo de Lula, para assegurar que o Fundo de Garantia não terá prejuízos ao financiar os projetos de infra-estrutura previstos no PAC. Se confirmado, revela uma postura mesquinha da Presidência, que não admite que um projeto seu possa ser aperfeiçoado na tramitação pelo Congresso.

E, se os critérios são puramente pessoais, como Lula gosta de ressaltar, está no caminho errado, já que um governo de coalizão pressupõe compromissos políticos públicos dos partidos que compõem a base do governo. O cientista político Sérgio Abranches define governo de coalizão como aquele "no qual se acerta um programa comum e se compartilha o poder entre os partidos, de acordo com sua melhor capacidade para executar o programa". Ele faz a diferença entre essa postura política e "uma coalizão de sustentação parlamentar "ad hoc", com a qual o governo negociará ponto a ponto a aprovação de seus projetos, em troca de alguns cargos, porém não poder governamental".

No Brasil, há na prática uma diferença entre a coligação, uma aliança meramente eleitoral, e a coalizão, que designaria a base de sustentação parlamentar. Diferente da Alemanha, por exemplo, onde as "coligações" eleitorais se baseiam em um programa comum.

Se for preciso ampliar a base de sustentação parlamentar, para formar maioria, quando nenhum partido ou coligação conseguiu a maioria, o que se negocia é um programa de governo, como aconteceu para que a Angela Merkel assumisse.

Como nem a CDU, de Merkel, nem o SPD, de Schröeder, fizeram maioria, e nenhum dos dois conseguiu formar uma coalizão, para evitar novas eleições, preferiram viabilizar a coalizão entre velhos rivais, a rara "Grande Coalizão".

Para tal, acertaram um programa de governo no qual puseram o que cada partido considerava relevante, e o outro não vetava, e tiraram o que cada partido considerava inegociável. No caso do SPD, lembra Sérgio Abranches, foi a reforma da Previdência proposta pela CDU. Aqui, foi o PDT que mais se aproximou desse modelo de coalizão, ao exigir do presidente Lula um compromisso de não fazer nenhuma reforma na Previdência Social. Esse mesmo PDT que estaria hoje sendo descartado por "indisciplina". O caso do PDT pode ser revelador do ânimo que orienta o presidente Lula na composição de seu Ministério.

Se o presidente do partido, Carlos Lupi, for confirmado como ministro da Previdência, como lhe garantiu ontem o ministro Tarso Genro, estará demonstrado que o que aconteceu não passou de intriga de quem queria ficar com o cargo. Caso a Previdência seja entregue ao deputado petista Mauricio Rands, fica explicitada a exigência de subserviência total ao Palácio do Planalto para receber as benesses do poder.

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