Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 15, 2007

Míriam Leitão - Circuito alternado



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
15/3/2007

O mercado financeiro da globalização é uma corrente de circuito alternado. Qualquer fato numa área pode detonar uma crise contaminando outros ativos. Qualquer boa notícia reverte o clima. O mercado de hipotecas de alto risco é apenas 13% do mercado imobiliário, que, por sua vez, é apenas um pedaço do mercado financeiro americano. Mas é este fantasma - o subprime - que ronda a economia global. Por trás do medo, a certeza de que o mundo tem vivido um tempo de complacência irracional.

A expressão foi usada recentemente por Paul Krugman, e parece perfeita. Os ativos têm subido muito nos últimos anos, em todos os mercados, como se houvesse apenas estrada para cima no mundo dos ativos financeiros. Como um mundo assim tão perfeito, em que ações e commodities dobraram ou triplicaram de valor, pode ser assombrado por um pequeno grupo de compradores de casa própria que não estão pagando as prestações?

Coisa da irracionalidade dos tempos modernos. Os donos de casa caloteiros podem afetar o mundo pelo simples motivo de que o cara que refinanciou sua casa e torrou o dinheiro no consumo produziu a era de ouro da economia mundial nos últimos cinco anos. É o outro lado da mesma moeda.

O preço dos imóveis nos Estados Unidos se valorizou de forma persistente e forte. Os felizes proprietários refinanciaram seus imóveis, assumindo uma dívida maior, com juros mais baixos. Com mais dinheiro no bolso, com ativos mais valorizados, sentindo-se mais ricos, foram às compras.

O consumo da economia americana aumentou, alimentado por importações crescentes. Grande parte delas, da China. Para atender ao mercado externo e ao seu próprio crescimento, de incorporação de milhões ao mercado, a China comprou avidamente todo tipo de commodities. O preço das commodities acabou subindo, beneficiando países como o Brasil, por exemplo.

Como uma explosão de consumo e choque de preços de commodities pôde não provocar inflação? Em parte, porque os produtos chineses chegavam ao mercado americano a baixo preço e ajudavam a conter a pressão inflacionária. Ou seja, a China exportava pressão deflacionista. Se permitisse que as leis de mercado funcionassem, valorizando a própria moeda, os preços dos seus produtos exportados subiriam, mas a China só gosta das leis de mercado que a favorecem. Portanto, manteve o artificialismo cambial e a máquina de exportar.

Mesmo com os produtos chineses derrubando as pressões inflacionárias dos EUA, a inflação começou a subir por lá. Foi então que os juros, que haviam caído a partir do 11 de Setembro, voltaram a subir. Com juros baixos, tudo era permitido no mercado financeiro, inclusive o apetite por papéis de maior risco, como o das hipotecas subprime, que pagavam mais. Quando os juros subiram, a inadimplência foi atrás. Bancos pequenos já quebraram nos Estados Unidos. Agora, as instituições maiores, especializadas em mercado imobiliário, estão se complicando. Ontem, o Bear Stearns e o UBS foram intimados pelo estado de Massachusetts a explicar por que recomendaram ações da New Century e de outras empresas com problemas.

Ora, porque este mundo das recomendações dos bancos sobre instituições e países e das classificações de risco de países e empresas está contaminado pela tal "complacência irracional" que o excesso de liquidez permite. Quando se tem dinheiro demais, a tendência do mercado é não ver os riscos, as contradições, os desequilíbrios nas economias, nas empresas e nos governos, que podem acabar provocando crises.

Neste momento, o mercado está meio assustado. Por isso, cada fato novo provoca uma onda de queda de preços dos ativos. O mercado ainda procura um novo ponto de equilíbrio, e as análises oscilam como as cotações: ora sustentam que há uma crise econômica global vindo por aí; ora que isso é só um tremor que passa rápido.

Os otimistas se baseiam nos seguintes argumentos: está longe de terminar o efeito da incorporação ao mercado de consumo das duas maiores populações do mundo, que são as economias que mais crescem; a economia americana conseguiu reduzir seu déficit fiscal e o que acontece agora é uma aterrissagem suave, e não a recessão que tantos temiam. O sabe-tudo Alan Greenspan disse apenas que há um risco, de 1/3, de que a economia entre em recessão.

Os pessimistas lembram que a economia chinesa cresce com distorções demais. O direito de propriedade, recentemente aprovado, caminha no ritmo do Partido Comunista para entrar em vigor. A China enfrenta limites físicos ao seu crescimento: faltam matéria-prima, energia, água; e sobram desastres ambientais pelo crescimento a qualquer preço dos últimos anos. A alta dos imóveis americanos atingiu níveis e configuração de bolha, e não é sustentável. A perda de riqueza com a queda dos preços dos imóveis vai provocar a retração do consumo.

Os dois lados estão certos em suas pontuações, mas os otimistas têm contra eles o fato de que, nos últimos anos, não incluíram os problemas e as distorções em suas análises. O tempo continuará sendo de volatilidade, pela percepção tardia dos problemas que a economia internacional acumulou.

Arquivo do blog