O Globo |
15/3/2007 |
O Banco Central faz uma força danada para derrubar as expectativas de inflação e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, diz que ela pode subir um pouco. Justamente num momento em que os mercados internacionais passam por turbulências que estão longe de acabar, quando ninguém sabe o que vai acontecer exatamente na economia americana, ou na chinesa, vem o ministro Mantega pedir mais audácia do Banco Central no controle da inflação. Também o presidente Lula disse que vivemos "um momento mágico" na economia. Ora, esse momento mágico já passou e nós não nos aproveitamos dele nos últimos quatro anos, quando a economia mundial cresceu como nunca, o preço das commodities subiu graças ao crescimento chinês, e a liquidez internacional fazia com que os mercados emergentes, mesmo com riscos, se tornassem atraentes aos investidores internacionais. O panorama internacional mudou, e os comentários tanto do ministro quanto do presidente parecem perigosamente fora de contexto. Tudo indica que teremos momentos, se não de crise, pelo menos de turbulência nos próximos anos. Temendo os reflexos no mercado de suas declarações, Mantega se apressou a tentar esclarecê-las, mas por mais que afirme que os jornalistas distorceram suas palavras, ao final de suas explicações não há outra interpretação possível: ele aceita uma inflação acima da meta fixada, mas não uma abaixo dela. Ele tem razão ao dizer que nunca defendeu que a inflação não estivesse controlada. Mas, como a meta de 4,5% tem variação de dois pontos para mais ou para menos, fica implícito que o ministro da Fazenda aceita uma inflação de até de 6,5%, mas não uma de 2,5%. Essa simples constatação mostra qual a tendência da equipe econômica desse segundo governo Lula, e é apenas mais um dos sinais preocupantes que estão no ar. O próprio Lula, ao dizer que não vai deixar projeto sem verba para "engordar" o superávit primário, revela que o considera um mal com que se tem de conviver, e não um instrumento de política econômica que pode beneficiar o crescimento. Na realidade, mesmo antes de reduzir o superávit para 3,75%, com a utilização de 0,5% para projetos Piloto de Investimentos (PPI), o governo já vinha calibrando para baixo o superávit. Desde a saída de Palocci da Fazenda prevalece o desenvolvimentismo na equipe econômica. O setor público fez um superávit primário no ano passado de 4,32% do PIB, acima da meta oficial de 4,25%, mas abaixo dos 4,83% obtidos em 2005. Mesmo assim, a meta só foi superada porque os estados e municípios obtiveram superávit maior do que o esperado, compensando a menor economia do governo federal e estatais, que atingiu 3,11% do PIB, quando a meta era de 3,15%. Pela primeira vez foi preciso usar os 0,14% das PPIs para justificar o pequeno déficit do governo federal. Mesmo com a redução do superávit, a dívida líquida do setor público fechou em 2006 em 50% do PIB, melhor resultado de dezembro desde o final de 2000. Isso por que a taxa média de juros ficou em 15,08%, enquanto em 2005 ela foi de 19,05%. Essa é a delicada situação em que o governo federal coloca o BC. Para crescer mais rapidamente, quer fazer um superávit menor, admite um pouco mais de inflação, e precisa de uma queda de juros mais rápida para não prejudicar a redução da relação dívida/PIB, que continua alta. A outra opção seria a redução dos gastos correntes. Nos últimos 15 anos, as despesas primárias do governo, que correspondem a benefícios do INSS, pagamento de pessoal e transferências a estados e municípios, cresceram nada menos que 7,5% do PIB. Nos últimos 12 anos, o salário mínimo teve um aumento real acumulado de 94%. Entre as propostas iniciais do PAC, havia um redutor de despesas de longo prazo. Também a conta de pessoal deveria cair 0,5 ponto percentual até 2010, e reformas da Previdência reduziriam, a longo prazo, os aumentos dos benefícios. Todos esses projetos foram abandonados, e Lula decidiu separar a aposentadoria rural do sistema previdenciário, em busca de um déficit menor. Mas, assim como os programas assistencialistas incentivam a informalidade por garantirem pensão a quem não contribui com a Previdência, a separação de contas não resolve o déficit do sistema. O economista Luiz Shymura, do Ibre/FGV, demonstra que a Previdência do setor privado continua estruturalmente desequilibrada. Todas as contribuições tipicamente previdenciárias e todos os benefícios que economicamente funcionam como aposentadoria ou pensão - o que inclui a aposentadoria rural e da LOAS - , levam a um déficit do INSS de R$54,4 bilhões, em 2006. Como o pagamento tem que sair de algum lugar, mesmo com contas separadas, o déficit do INSS só fecharia com receitas tributárias totalmente externas ao sistema previdenciário, como parcelas definidas da arrecadação da CPMF e do PIS/Cofins, sugere. Ou então, fazendo-se uma reforma da Previdência que viabilize a longo prazo o sistema. Sem as reformas estruturais, não haverá espaço para o corte nos gastos públicos, nem condições de reduzir a carga tributária, que financia os gastos do Estado brasileiro, e reduz a capacidade de investimento do setor privado. Restaria aceitar um pouco mais de inflação, ou um superávit menor, e acelerar o corte de juros, para atingir o crescimento econômico prometido. Em uma economia que ameaça continuar instável e avessa ao risco, é aí que mora o perigo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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