A África está saindo da sua longa noite. Vinte e sete países africanos estão crescendo mais que 6% ao ano.
Há casos de tragédia, como o Zimbábue, com 1.340% de inflação e recessão de 7% há oito anos. Angola é o segundo país que mais cresce no mundo: 20% ao ano.
Uma população jovem e urbanizada quer mais progresso.
A telefonia cresceu 5.000% em cinco anos.
Quem visitou o Brasil dando essa visão foi Carlos Lopes, que já chefiou o escritório da ONU aqui e agora está assumindo, em Genebra, o cargo de subsecretário da ONU na direção executiva da Unitar, órgão de treinamento e pesquisa das Nações Unidas.
Numa aula magna dada na Universidade Candido Mendes, ele falou do triângulo BrasilAacute;frica-China. O Brasil se reaproxima do continente, mas ainda com muitas dúvidas. A China investe pesado e é a responsável direta pela recuperação de alguns países. Por outro lado, a China tem políticas controversas e vem ajudando a fortalecer lideranças ditatoriais, como a do Sudão.
Quem tem uma imagem da África como um continente perdido e em regresso não está vendo tudo. A Aids continua sendo um poderoso inimigo, mas a incidência começa a cair em alguns países. Países em crise econômica e recessão são minoria. O pior caso é o Zimbábue.
— É uma das maiores tragédias econômicas. O país já foi a segunda maior economia da África. Tudo vem sendo destruído por ideologia, como a agricultura comercial de maior escala, que estava nas mãos dos brancos — conta Carlos Lopes.
O presidente Robert Mugabe governa o país desde a independência, tem 84 anos e vai concorrer de novo no ano que vem. Atualmente, o Zimbábue ocupa o noticiário com o caso de tortura de adversários políticos.
Angola, ao contrário, floresce pela força do fim da longa guerra civil. Há três anos, cresce a taxas de 20%, perdendo apenas para o Qatar o lugar de país que mais cresce no mundo. O ritmo angolano está à frente da Mauritânia, com 13%, e de Moçambique — que vem crescendo a 8% e é outro país que renasce de um longo período de crise.
— Angola cresce com o aumento da demanda do que ela produz, como petróleo.
Estão aumentando a capacidade produtiva através dos investimentos externos. Com o fim da guerra civil, o país pôde legalizar a produção de diamantes, e hoje é o quarto maior produtor mundial. Países grandes consumidores de peixe estão disputando licença de pesca no país. A China está construindo uma refinaria e recuperando a infraestrutura lá.
O Sudão é uma enorme tragédia política, mas um sucesso econômico. Uma mistura perigosa. O país tem quatro guerras civis em seu território; a pior delas, a de Darfur, é uma luta étnica entre os nômades de origem árabe e os sedentários nãoárabes, mediada pela União Africana, com poucos recursos.
No conflito interno entre o Sul cristão e Norte nãocristão, a ONU está presente, mas há outros dois conflitos graves e, mesmo assim, o Sudão cresce 7%.
— É um mistério: o Zimbábue, sem guerra civil, encolhe 7% ao ano; o Sudão, com quatro guerras civis, cresce 7%.
Novamente, uma das razões é a presença da China com fortes investimentos.
— O petróleo do Sudão não era explorado porque é muito pesado e não tinha mercado, mas as refinarias chinesas estão preparadas para processar exatamente esse tipo de petróleo, e as reservas são imensas.
Alguns analistas acham que essa presença da China é um novo colonialismo.
— Há muita gente falando isso. Acham que as relações reproduzem aquela idéia da África depositária de recursos naturais. A sociedade civil vibrante da África teme o apoio a alguns regimes e as relações estatizadas demais, que podem levar a perder avanços, como os do setor privado. Mas os intercâmbios não são necessariamente ruins para o continente. A China investe em tecnologia e inovação, na recuperação da infra-estrutura. A Zâmbia, que tinha uma estrutura de exploração mineral totalmente deteriorada, hoje é o terceiro maior produtor mundial de cobre, graças a investimentos chineses — argumenta Lopes.
Mas há muita controvérsia.
Uma delas tem sido a decisão chinesa de ajudar a construir novo palácio para o presidente do Sudão.
A África do Sul continua com economia estável e deve crescer 5% este ano. É o segundo maior parceiro comercial da África, maior até que a China. O primeiro continua sendo a Grã-Bretanha.
O Brasil, diz Carlos Lopes, teve um momento de investimento no continente nos anos 80, mas depois a depressão africana e as crises inflacionárias aqui fizeram cair o interesse. Hoje o Brasil está voltando, mas ainda dividido sobre se vale a pena.
— Não basta apenas o Itamaraty querer; é preciso que as empresas vejam as opor tunidades.
A Vale tem visto. A Petrobras, também, em escala menor; e algumas empreiteiras, como a Odebrecht.
Mas está cristalizada uma visão apenas da tragédia africana e não dos novos tempos que chegam.
— A África tem grande população jovem, urbanizada, com uma visão moderna.
O investimento externo lá cresceu 200% de 2000 a 2005 e é hoje de US$ 23 bilhões. As exportações crescem 25% ao ano. O comércio com a China saiu de US$ 3 bilhões, em 1995, para US$ 40 bilhões. A União Africana persegue princípios democráticos. As mulheres de Ruanda já dominam metade da representação política no parlamento. A Libéria é presidida por uma mulher. O número de africanos com acesso a telefone pulou de 10% em 1999 para 60% este ano — comenta Carlos Lopes.
Ele alerta que temos muito a fazer lá: — Será sonhar demais imaginar que o Brasil, a segunda maior nação negra do mundo, tem algo em comum com o continente?
Entrevista:O Estado inteligente
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