A geógrafa Bertha Becker tem 76 anos e disposição de uma jovem pesquisadora para visitar seu campo de estudo. Acaba de voltar de Sinop e Alta Floresta, em Mato Grosso, e traz duas notícias dessas áreas do nosso faroeste: primeiro, o programa de combate ao desmatamento ilegal inibiu essa atividade criminosa; segundo, isso jogou a região numa enorme crise econômica e social. “A região depende da economia ilegal”, constatou.
Essa é uma contradição das muitas que a geógrafa, professora emérita da UFRJ, vê hoje pressionando, por todos os lados, seu principal objeto de estudo. Ela tem pesquisado e feito propostas para o uso mais racional e produtivo da Amazônia, e vê, na maioria das vezes, seus projetos serem esquecidos em alguma gaveta da burocracia brasileira.
— A região de Sinop entrou numa crise extraordinária, com aumento da periferia, da violência. Isso ocorreu após a operação Curupira e a criação das unidades de conservação. A crise mostra como a economia ilegal sustentava a economia de Sinop e da região — contou-me Bertha, numa entrevista na Globonews.
A conclusão: a repressão deve haver, claro, mas com a oferta de alternativa econômica à população local.
— Em Sinop, há uma indústria que vende madeira sem agregação de valor, que não aproveita o resto que sobra da madeira longa e queima tudo. É preciso ter indústrias inovadoras que aproveitem esse resto.
Ao visitar a BR-163, ela reconhece que houve avanços do governo em tentar fazer o zoneamento das margens, mas alerta que, na Amazônia, qualquer anúncio de empreendimento detona uma corrida pela grilagem da terra: — Bastou falar que vai haver usinas no Rio Madeira que detonou uma corrida pela grilagem em Rondônia.
Bertha tem sido uma defensora de que se desenvolva na região um pólo avançado de biotecnologia.
Ela imagina avanços até em nanotecnologia, propõe pesquisas para a exploração dos princípios ativos e da biodiversidade da região para uma infinidade de campos e a instalação de cadeias de atividade econômica que dêem emprego à população local: — São 20 milhões de amazônidas, hoje 70% em áreas urbanas, querendo emprego, renda. Foi criado um Centro de Biotecnologia da Amazônia, mas ainda não se conseguiu saber qual a sua natureza jurídica, e virou um elefante branco, você acredita? A idéia é casar o que já houve de investimento em microeletrônica na região na Suframa com novos estudos da floresta que criem pólos de biotecnologia. Muito investimento em ciência, em pesquisa, abrindo oportunidades a novas áreas do conhecimento nas fronteiras da ciência.
Bertha Becker apresentou esse projeto há três anos ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e ele ficou lá. Agora, acaba de ser assinado, entre o Fraunhofer, maior instituto de pesquisa alemão, e a Suframa, um acordo para um centro assim.
— Não tenho nada contra a cooperação internacional, gosto dela, mas sou contra a perda de oportunidades e, em relação à Amazônia, vejo o governo perdendo oportunidades o tempo todo.
Outro alerta: o tempo se acelerou na região. Enquanto se conversa sobre o que fazer, a destruição avança, e as redes de interesses surgem, aumentando as contradições que ameaçam a região.
— Eu não sou economista, mas vou a campo e vejo.
E o que ela vê? A soja e a pecuária comendo a Amazônia pelas beiradas e, do outro lado, redes de pesquisa internacionais se instalando na região.
— São contradições em nível global que se abatem sobre a região. Quem estimula a soja? É o mercado europeu, e a soja nos dá divisas importantes. Por outro lado, o pessoal da ciência quer proteger, mas vem, em parte, de fora também. Agora mesmo tem um projeto da Usaid autônomo e outro do BID, com a OEA e a Organização do Tratado da Cooperação Amazônica, ambos levantando os recursos hídricos de toda a Bacia.
A professora concluiu, do que viu e tem estudado ao longo de toda a sua vida, que este é o momento mais decisivo da história da região. E o principal desafio do governo é a criação de regras para o uso do território.
— O governo tem que ordenar o conflito, tem que dizer aqui pode e aqui não pode, tem que usar melhor seu território e controlá-lo.
Se o Brasil não mudar e não utilizar seu território em toda a sua extensão e diversidade, perderá uma extraordinária janela de oportunidade que se abre agora e que pode ser aproveitada por 20 anos — alerta.
O valor do alerta de Bertha Becker é que, para ela, a Amazônia não é uma abstração longínqua. A geógrafa a estuda, pensa sobre ela, desenvolve idéias e a visita constantemente. Essa revolução científica-tecnológica Bertha está propondo para a região há muito tempo.
Tudo será discutido, neste domingo, no Simpósio Brasileiro de Mudanças Ambientais Globais, que acontecerá no Rio.
Bertha duvida de que a Lei de Concessão de Florestas seja uma solução, ainda que reconheça o avanço.
Acha que, com o quadro deplorável de fiscalização e vigilância, não cumprirá seu objetivo de explorar a floresta deixando-a de pé.
— O grande problema da Amazônia é a falta de en forcement, eu não gosto de usar palavras em inglês, mas essa é ótima: significa o cumprimento da lei. O governo precisa, além de impor o cumprimento da lei, criar regras, ordenar o território, arbitrar os conflitos.
Bertha tem uma definição síntese para a área do Brasil que o Brasil menos conhece: — A Amazônia é uma mulher, é um manancial de vida, um depositário de vida.
Precisa ser estudada com humildade e ousadia.
Entrevista:O Estado inteligente
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