Passou despercebido o aniversário, no dia 21 de fevereiro, dos vinte anos da moratória unilateral da dívida externa. Naquele fatídico dia de 1987, o presidente Sarney, mal aconselhado, anunciou a medida em rede nacional de rádio e TV.
Foi um desastre. Vi de perto a deterioração da imagem e do crédito do Brasil nas principais praças comerciais e financeiros do mundo. Na época, eu era diretor do European Brazilian Bank - Eurobraz, em Londres, no qual representava o Banco do Brasil, um de seus fundadores. O Eurobraz era um dos principais credores do País.
Em 1988, estudo do Banco Central, com base nas informações então disponíveis, estimou as grandes perdas de linhas de crédito e de investimentos diretos. Era impossível calcular os negócios desfeitos ou suspensos com a confrontação e os efeitos negativos que se prolongariam no tempo.
Imediatamente após a moratória, o Citibank, o maior credor, fez uma provisão de US$ 3 bilhões para possíveis perdas. Outros bancos reforçaram suas provisões. Acelerou-se a venda de créditos com desconto, o que muito expandiu o respectivo mercado secundário.
Assim, o ato impensado, do qual o presidente Sarney se arrependeria, contribuiu para acelerar a busca de saídas para a crise da dívida externa. Os países devedores se beneficiaram da atitude brasileira, mas nós só perdemos. Fomos o último a sair da situação.
Sabia-se àquela época - mais de quatro anos depois da moratória mexicana, que detonou a crise, e de mal sucedidas tentativas de solução via reescalonamentos e novos créditos - que a saída seria a redução da dívida, que superava a capacidade de pagamento dos devedores. Era preciso eliminar o 'debt overhang' (excesso), cancelando-se parte do crédito e garantindo-se o recebimento do restante, inclusive os juros.
O Ministério da Fazenda entendeu mal esses sinais. Em setembro de 1987 apresentou proposta oficial de redução de 50% da dívida sem garantias para o remanescente. Como disse Mário Henrique Simonsen, era o mesmo que trocar uma promissória verde por outra amarela. A proposta fracassou.
Com novas provisões e maiores descontos no mercado secundário, a saída apareceu. O Plano Brady, de março de 1989, engajou o governo americano na solução. Os bancos concederiam desconto de 35%. Os devedores comprariam títulos do Tesouro dos EUA (zero cupon bonds de 30 anos) e os dariam em garantia. No vencimento, o valor desses títulos seria o mesmo do principal da dívida. Adicionalmente, depositariam o equivalente aos juros de certo período. Imagina-se por aqui, equivocadamente, que o plano ter-se-ia inspirado naquela fracassada proposta brasileira.
A moratória de uma dívida decorre da incapacidade de pagar ou da falta de vontade de pagar. No primeiro caso, presume-se a boa fé do devedor. Aqui se aplica a Teoria da Imprevisão, a qual trata de situações extraordinárias que impedem uma das partes de cumprir o contrato. A cobrança judicial é recurso de última instância. No segundo caso, como na moratória de 1987, o devedor viola unilateralmente o contrato e perde credibilidade.
Em ambos os casos, os bancos se preparam para cancelar a totalidade de seus créditos ou para negociar redução de valores, ampliação de prazos e redução de juros. São obrigados a seguir regras de provisões para devedores duvidosos, contra as quais lançam as perdas.
O Brasil já esteve várias vezes sem condições de honrar o pagamento da dívida externa. Somente em dois momentos - em 1937 e 1987 - recorreu à moratória unilateral. Nos demais, dialogou de forma sensata, conduziu duras negociações com os credores e chegou a acordos para refazer os termos dos contratos.
Os idealizadores da moratória de 1987 condenaram publicamente a cláusula de 'pre-judgement attachment', pela qual um juiz da Corte de Nova York poderia congelar ativos financeiros brasileiros para ocorrer ao pagamento de nossos compromissos. Criou-se um fato político que prolongaria desnecessariamente as negociações posteriores. Tínhamos que recusar uma cláusula usual e aceita até pela União Soviética. Ao confundir violação à soberania com assunção de obrigação de praxe no mercado de crédito, o Brasil passava a impressão de que pretendia descumprir novamente o contrato.
A moratória brasileira de 1987 ainda não foi avaliada em todas as suas danosas conseqüências.