Todos conhecem a fábula de Esopo que fala do pastor que, por brincadeira, pediu socorro por estar sendo atacado por um lobo. Os vizinhos largaram o trabalho para ajudá-lo, mas o encontraram às gargalhadas. Não havia lobo nenhum. A cena se repetiu outras vezes e já ninguém ligava para os gritos do pastor até que chegou o dia em que um lobo de fato atacou, ninguém atendeu aos pedidos de socorro e as ovelhas foram devoradas.
No ano passado, por meses a fio, o Copom advertiu que viria o tempo da “parcimônia” na condução da política monetária. Na linguagem cifrada do Banco Central, seria o início do período de corte mais baixo dos juros. Mês após mês, o mercado vinha esperando a aplicação da tal “parcimônia” já para a reunião seguinte, mas, também sucessivamente, ela acabou não acontecendo. Quando o lobo veio, na reunião de 31 de janeiro, o mercado levou um susto. Até hoje não se recuperou.
O ex-diretor do Banco Central e hoje economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, Carlos Thadeu de Freitas, entende que essa expressão é um dos componentes “terroristas” das atas do Copom e sugere que seja abolida da comunicação com o público.
Outro jeito de interpretar o sucedido é vê-lo como capacidade da diretoria do Banco Central de rever seu próprio excesso de prudência. Tudo parece ter-se passado como se, depois de ter previsto o início da fase de “parcimônia” para a reunião seguinte, o Copom verificou que havia razões (novas ou velhas) para manter a dosagem mais alta dos cortes.
Mas, afinal, considerada a capacidade do Banco Central de reconhecer e rever seu excesso de prudência, até que ponto dá para apostar em que, na reunião desta quarta-feira, o corte dos juros volte a ser de meio ponto em vez de apenas 0,25 ponto porcentual?
Não faltariam razões para justificar a volta de um corte maior: inflação apontando para abaixo do centro da meta, PIB avançando devagar e volume nunca visto de dólares chegando ao Brasil, a ponto de obrigar o Banco Central a comprar volume recorde de moeda estrangeira, de quase US$ 10 bilhões, apenas no curto mês de fevereiro.
No entanto, se no início da semana passada ainda havia essa possibilidade, ela foi por água abaixo depois que a atual turbulência tomou conta dos mercados mundiais.
Mesmo levando em conta que nada de especialmente errado esteja acontecendo na economia real do mundo e que essas convulsões tendem a passar rapidamente, este tende a ser o dado novo a que a diretoria do Banco Central se apegará para seguir nos cortes de apenas 0,25 ponto porcentual.
Mesmo com a saída já anunciada do diretor de Política Econômica, o conservador Afonso Bevilaqua, o atual Copom adora a idéia de que devagar se vai mais longe. E é um entusiasta do botânico Lineu (séc. 18), que consagrou o princípio de que a natureza não dá saltos, o que, no caso, significa não mudar o ritmo uma vez iniciado.
Além do mais, o próprio presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, parece já ter antecipado quarta-feira, no seu depoimento no Senado, que em tempos de aversão ao risco, como os de agora, há razões adicionais para manter a prudência.
Enfim, melhor ficar com 0,25 ponto porcentual. Um corte de 0,5 ponto porcentual nesta quarta-feira é aposta arriscada.