Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, março 02, 2007

Luiz Garcia - Palpite infeliz



O Globo
2/3/2007

Toda discussão séria de problemas graves anda para trás quando parte do palpite e deságua na generalização.
Em português mais simples: você pode sem susto exercer seu direito de produzir abobrinhas na arena do bate-papo. Temos todos a santa prerrogativa de alimentar a conversa, principalmente a partir do terceiro chope, com qualquer coisa que nos venha à cabeça. Quanto mais discussão provocar, mais depressa o tempo passa. Nesse tipo de foro, a leviandade é direito sagrado.

Tudo muda quando quem dita cátedra é homem público, com autoridade e mandato. Outro dia, o governador Sérgio Cabral usou uma tribuna que ocupava, por assim dizer, como pessoa jurídica - o programa"Roda Viva" da TV Cultura, segunda-feira passada - para defender a legalização de drogas leves (eufemismo para maconha: não há outras drogas ditas "leves" com importância no mercado). Ele brandiu o argumento de que a repressão provoca danos "muito mais graves do que o uso controlado". Não disse como é que sabe disso.

Cabral, que ainda voltaria ao assunto dois dias depois em visita ao Congresso, não estava anunciando uma política de governo. Apenas revelou, o que acentuou honestamente, uma opinião pessoal. Mas isso é fraca desculpa: homens de Estado, quando falam em público, estão sempre a serviço. O governador afirmou que a legalização das drogas leves pode fazer parte da solução para o problema da violência no Rio de Janeiro. Sem precedentes confiáveis (a famosa experiência holandesa não tem qualquer semelhança com a nossa), a afirmação tem o peso específico de um palpite emitido a pelo menos três chopes de altitude.

O governador teve o cuidado de ressalvar que não estava propondo solução específica e de curto prazo para o problema da violência no Estado do Rio. Mesmo assim, pisou forte na bola.

Como administrador, seu principal problema nessa área é o tráfico de qualquer substância proibida e o insuportável clima de violência a ele associado. De que adianta abrir um debate sobre a exclusão desta ou daquela droga da relação das proibidas?

É bom lembrar que, no mercado maldito, a oferta é extremamente variada: com ou sem maconha, a gravidade do problema não se altera.

Em outra situação, num tempo e num planeta diferentes, a defesa da erva pode ser válida e interessante. Hoje, propor o debate a respeito é perda de tempo e perigoso erro de foco.

Por motivo simples: não vivemos um momento no qual seja possível e razoável estimular qualquer grau de benevolência em relação a quem trafique "apenas" maconha. Até mesmo pela dificuldade de identificar essa especialização no mercado, se é que existe.

Os efeitos do consumo de maconha ainda são assunto para especialistas; não existe unanimidade a respeito. Nem sobre os efeitos próprios da droga nem sobre os caminhos que levam da erva a outras substâncias. Não parece pertinente ou oportuno que governantes se arrisquem a tomar partido contra ou a favor da cannabis.

Principalmente no caso daqueles cuja missão principal e urgente nessa área é enfrentar as legiões de bandidos que traficam qualquer coisa e matam sem qualquer motivo.

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