O Globo |
2/3/2007 |
A relação entre desempenho econômico de um governo e apoio nas urnas sempre foi um elemento fundamental entre as muitas variáveis que determinam o sucesso e o fracasso de um projeto político. Embora tenha ficado na História, a frase do marqueteiro James Carville - "É a economia, estúpido" - explicando a vitória de Bill Clinton sobre George Bush, é simplista demais, pelo menos aqui pelos trópicos. O baixo crescimento econômico brasileiro nos últimos quatro anos não justificaria a vitória de Lula, não fossem os efeitos do Bolsa Família e de outros programas assistencialistas do governo nas camadas mais pobres da população. O que parece ter acontecido, tanto na reeleição de Fernando Henrique, em 1998, quanto na de Lula agora, foi a capacidade que os dois tiveram, cada um no seu momento, de infundir no eleitorado a sensação de que a continuação seria melhor que a mudança. O governo de Fernando Henrique teve um péssimo resultado no ano eleitoral, com a economia crescendo apenas 0,1% e a perspectiva de uma crise econômica com a irreversível desvalorização do real, mas mesmo assim o eleitor preferiu o certo ao duvidoso. O mesmo mote de que se valeu Lula para convencer os eleitores de que tudo estava preparado para o "espetáculo do crescimento" enfim estrear. Mais uma coincidência entre os dois momentos: em 1998, éramos a oitava economia do mundo com a ajuda do dólar desvalorizado. Hoje, o Brasil volta a ser a décima economia do mundo, quando havia caído em 2004 para 15ª. A melhora na colocação do ranking deve-se mais à conversão do câmbio do que à produção de bens e serviços. Mas podemos voltar a ser a oitava economia se crescermos a uma média de 3,5% nos próximos dois anos, como está previsto no mapa astral governamental. Algumas providências estão sendo tomadas, sem dúvida: segundo a consultoria Tendências, em análise feita antes da crise das bolsas mundiais, o crescimento do PIB deve se acelerar nos próximos dois anos, embora não no nível prometido pelo governo, mas acima da média dos últimos dez ou 20 anos. O crescimento dos investimentos, já detectado no último trimestre do ano passado, também aponta para um maior crescimento. Hoje o investimento privado continua na casa dos 18%, mas a capacidade do Estado é cada vez menor, entre 1% e 2%, sendo que nos últimos anos foi menor que isso, a mais baixa taxa de investimento desde o pós-guerra. A Tendências calcula que, no final de 2008, a taxa de investimentos chegará a 22% do PIB, contra 20% hoje. Uma mudança substancial, embora longe dos tempos do milagre brasileiro, nos anos 70, em que crescíamos a taxas asiáticas, e o investimento no país chegou próximo a 30% do PIB, sendo que o Estado entrava com cerca de 10% e o restante era bancado pela iniciativa privada. O grande problema, como dizia o compositor Johnny Alf, é o inesperado fazer uma surpresa. Em 2000, depois de superada a crise da desvalorização do real, o Brasil cresceu a 4,4% e entrou em 2001 com potencial para chegar a 5%, 6%, segundo as promessas oficiais da época. Mas dois fatos "inesperados" levaram a economia à breca: o racionamento para evitar o apagão elétrico, no meio do ano, e o ataque terrorista aos Estados Unidos, em setembro. O que era 6% virou 1,3%. Agora, ainda não sabemos se estamos diante de uma crise estrutural na economia chinesa, ou se os arranjos serão passageiros. A impressão, entre os analistas, é de que há preocupações mais estruturais com relação não apenas ao ritmo de crescimento da economia chinesa, como à qualidade desse crescimento. A economia chinesa tem crescido a taxas acima de 10% nos últimos anos, e sem regras claras em alguns setores, como o setor bancário e a própria Bolsa de Valores. O mercado financeiro globalizado tem agora mais uma entidade para acompanhar, além do FED: o Congresso Nacional do Povo se reúne na próxima semana para debater medidas que reduzam o alto ritmo de crescimento da economia chinesa. O fato é que o mar de rosas em que navegava a economia mundial parece estar desaparecendo, especialmente se a China desacelerar seu crescimento. Dados do FMI mostram que o crescimento da economia mundial, e a conseqüente liquidez internacional entre 2003 a 2006, não têm paralelo na história recente. A expansão do comércio internacional em tal magnitude só ocorreu no início da década de 50 e no começo da década de 70. Também as atuais taxas de inflação mundial são só comparáveis às obtidas nas décadas de 50 e 60. Pois nessa situação internacional considerada extraordinária, entre 2003 a 2006, não conseguimos crescer mais do que em anos turbulentos de crises internacionais. Os três desafios clássicos, além do investimento público, para a obtenção do crescimento sustentado encontram-se em fases diferentes: o controle da inflação está alcançado, e ontem, com a saída de Afonso Bevilacqua da direção do BC, parece que se chegou a um acordo para a permanência de Henrique Meirelles na presidência. Ele e toda a equipe econômica estariam "blindados" pelo próprio sucesso, segundo o próprio presidente Lula. Resta a redução da carga tributária, que chegou a quase 39% ano passado, e da dívida pública em relação ao PIB, sendo que esta última tem mais chance de ser alcançada do que a primeira. As reformas da Previdência, a trabalhista, e a tributária continuarão sendo discutidas, sem que haja indicação de que se chegará a um consenso que permita aprovar novas regras. Ainda temos muito caminho a percorrer para elevar o crescimento potencial do PIB para além do limite de 3,5%. |
Entrevista:O Estado inteligente
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