Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, março 02, 2007

Míriam Leitão - Tempo volátil


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
2/3/2007

A curto prazo, o que vai acontecer é um mistério que nem os melhores analistas desvendam, mas a volatilidade vai continuar. Ontem foi um dia típico da incerteza: as bolsas subiram, caíram, recuperaram-se e fecharam em baixa. É tempo da volatilidade. A médio prazo, há confiança de que a economia mundial continuará crescendo. A longo prazo, os riscos vêm da qualidade do crescimento chinês.

A volatilidade pode não ser longa. Mas os mercados são conectados, e um evento leva a outro, potencializando os momentos de incerteza.

Melhor explicando: quando há uma queda forte como a de terça-feira, os investidores do mercado de derivativos têm que depositar a quantia referente à diferença de preços.

- Quem está comprado em índices ou derivativo tem que cobrir chamada de margem. As chamadas de margem foram brutais, e isso desequilibra o mercado. Para pôr a chamada de margem, os fundos têm que vender outros ativos, o que amplia a pressão - diz Álvaro Bandeira, da Ágora.

Os mercados de bolsas, moedas e commodities estão ligados em operações casadas, explica Álvaro:

- Nunca é uma operação só; por isso, quando cai, todos os mercados sentem.

As mudanças de humor e tendências ocorrem sem uma causa clara.

- Cheguei ao trabalho, e a Europa subia, parecia que seria um bom dia e, de repente, caiu forte, para depois se recuperar um pouco. Tudo fica imprevisível - afirma ele.

Armínio Fraga também acredita que será um tempo de volatilidade, mas não de uma crise:

- A curto prazo, é difícil antecipar o que vai acontecer, porque envolve questões de psicologia de massas sobre como o investidor vai reagir, mas, a médio prazo, a economia mundial está caminhando para uma desaceleração depois de cinco anos de forte crescimento. Tudo o que manteve esse crescimento continua: aumento da produtividade, incorporação ao mercado de consumo de enormes contingentes de consumidores. O mundo deve continuar a crescer, a taxas um pouco menores, por mais alguns anos, talvez cinco.

A longo prazo, lembra Armínio, tudo vai depender de como se enfrentarão sérios desafios, como os constrangimentos ambientais à manutenção do ritmo de crescimento da China.

Luis Fernando Lopes, do Banco Pátria, também não sabe quando a correção acaba. Ele acha que pode durar mais uma semana ou mesmo um mês, mas acredita que é apenas um ajuste técnico.

Armínio e Álvaro Bandeira não acham que os preços dos ativos estão no nível de "bolha", apesar de a valorização das ações na Bolsa de Xangai ter sido alta demais nos últimos 12 meses. Admitem que pode haver empresas chinesas fora do preço. Armínio também não acredita que haja tantos problemas de empresas fantasmas:

- Tenho ido à China e acho que eles têm um plano de manutenção do crescimento; estão mais conscientes do que pensamos quanto aos problemas que existem. A valorização da moeda continua lenta, mas continua; a 5% real ao ano. Eles têm projetos de educar o povo e ir, aos poucos, reduzindo a importância da China velha - diz ele.

Num artigo recente, a "BusinessWeek" disse que as autoridades chinesas começam a acordar para o fato de que ritmo de crescimento econômico é bem diferente de manter um crescimento com qualidade. E que, por isso, o triunfalismo tem que ser temperado. "O mais óbvio dos custos é o ambiental. Não é apenas o caso de parar a poluição do ar e da água; existe uma miríade de custos a serem contabilizados, como os gastos na reversão dos danos causados agora e os custos do tratamento dos problemas de saúde causados pela poluição." Sem falar na destruição de recursos não-renováveis, como terras férteis e aqüíferos.

A idéia da revista é que tem que ser descontado do PIB chinês o que vem sendo destruído pela forma como o país cresce. A conta do Estudo de Contabilidade Nacional Verde estima em 3% o que deveria ser descontado do crescimento, a cada ano, ao se incluir esse passivo deixado pelo crescimento desenfreado.

Há problemas de falta de transparência, regulação, corrupção e aumento das desigualdades sociais chinesas minando as possibilidades de sustentação da economia do país. O problema, como se viu esta semana, é que a economia chinesa já se tornou importante demais para o mundo.

Hoje, a interdependência entre as duas locomotivas do mundo - Estados Unidos e China - é enorme. Portanto, o problema em uma afetará a outra. Houve agora um aumento do foco na economia americana com temor de desequilíbrio provocado pelas instituições do mercado de hipotecas de alto risco.

Quanto a nós? Álvaro Bandeira diz que as ações subiram, mas não estão altas demais porque as empresas brasileiras estão pouco endividadas e muito capitalizadas. Ele não acredita em crise internacional:

- Os fundamentos não mudaram. Mesmo com redução do ritmo de crescimento mundial, ele ficará acima da média histórica. O Japão, depois de estagnado por décadas, está crescendo, e a Alemanha vai bem.

Ninguém está suficientemente seguro se houver uma grande onda de volatilidade. Como se viu esta semana: o risco-Brasil subiu quando o país estava chegando, pela primeira vez em sua história, aos US$100 bilhões em reservas. Os fatos escapam do controle dos países na economia globalizada.

Arquivo do blog