Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 13, 2007

Luiz Garcia - Obstáculos sem corrida




O Globo
13/3/2007

Toda hora ouvimos no rádio a mensagem de um atleta brasileiro, lembrando que faltam X dias para os Jogos Pan-Americanos e nos convidando para estar lá, torcendo. É uma convocação simpática, quase redundante: claro que a torcida pretende lotar as arquibancadas.

Mas o convite também tem involuntário cheiro de humor negro. Cada dia o odor é mais forte.

Os atletas auriverdes com certeza estão prontos e afiados, a torcida idem - mas a maior parte das notícias sobre a preparação da grande festa parece que, até agora, só garante ao Brasil um lugar no pódio da bagunça e uma medalha por imprevidência. A referência aos dias que faltam para o início da festa a cada momento mais parece ameaça do que convite.

Um relatório do Tribunal de Contas da União, dias atrás, pintou um quadro de terror: 48% das obras do complexo esportivo de Deodoro deveriam estar prontas em outubro passado - mas só 17% cumpriram a meta. Mais: "Por falta de planejamento e organização, a União está gastando nos preparativos dez vezes mais do que fora previsto em 2004."

Não posso garantir, mas parece ser recorde mundial na modalidade de obstáculos sem corrida.

Diz o TCU que o Orçamento da União para o Pan já pulou de R$172 milhões para R$1,8 bilhão. No total, o custo da brincadeira já está em R$5 bilhões.

Tanto dinheiro, numa situação minimamente lógica, deveria corresponder a alguma folga nos prazos. Nada disso, informa relatório assinado pelo ministro Marcos Villaça: nenhuma das instalações está totalmente concluída; raras têm folga nos cronogramas permitindo superar imprevistos.

É bom lembrar que a organização desse tipo de competição tem dois objetivos. Primeiro, o prestígio esportivo, a atração de visitantes; segundo, tudo que fica da infra-estrutura em benefício dos nativos. Há exemplos opostos, lembrados pelo professor Victor Andrade de Melo, da Faperj, especialista no tema: em Barcelona, a qualidade de vida melhorou notavelmente depois dos Jogos Olímpicos de 1992; em Atenas, depois das últimas Olimpíadas, os benefícios de longo prazo têm sido considerados mínimos. O mesmo se diz de Montreal (Jogos Olímpicos de 1976) e São Domingos (últimos Jogos Pan-Americanos).

É verdade que nosso retrospecto nessa área mostra alguma capacidade de sobreviver à bagunça. Tivemos Jogos Pan-Americanos em São Paulo bem organizados, e uma Copa do Mundo que, com exceção de um golzinho uruguaio, não deixou queixas, pelo menos dos visitantes.

Nos jogos deste ano, o negócio é começar a torcer agora. Melhor, rezar. Antes dos recordes, parece que precisamos mesmo é de uma dúzia de milagres.

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