Manifestações contra Bush reduzem causas em princípio defensáveis a um espetáculo bizarro, inócuo e infantil
PUNKS , petistas, "campesinos". Gaviões da Fiel e ecologistas. Feministas e defensores do extremismo muçulmano. Um governador de Estado -o maranhense Jackson Lago, do PDT-, uma modelo de "topless" e um ex-comissário de bordo vestido de esqueleto. Todos se uniram no protesto.A visita do presidente Bush ao Brasil deu ocasião a um verdadeiro Carnaval fora de época. Apesar do enredo disparatado, apesar do recurso a um trio elétrico (registrado, "ça va sans dire", nas ruas de Salvador) e apesar de eventuais extravagâncias de indumentária -ou mesmo da virtual ausência desta-, não há nada de tipicamente brasileiro, contudo, no festival de protestos que assolou o país.
De Milão a Jacarta, de Tóquio a Brazzaville, as manifestações antiamericanas se revestem de uma mesma coreografia, de um idêntico figurino. Diga-se, desde logo, que a política externa dos EUA nos últimos anos em muito contribuiu para aglomerar, num mesmo repúdio, os mais diversos grupos de interesse, os mais inconciliáveis setores de opinião em todo o mundo.
Derrotado nas eleições legislativas do ano passado, imerso na confusão sangrenta do Iraque, confrontado com as evidências alarmantes do aquecimento global, o governo Bush tardiamente procura dar sinais de algum abrandamento no arrogante unilateralismo que marcou suas atitudes no cenário mundial.
Nesse ponto se revela o paradoxo maior dos movimentos globais de repúdio à política americana. No Brasil, como em outros países, é certamente majoritária a opinião de que o governo Bush merece acerbas críticas pela invasão do Iraque, pela decisão de não ratificar o Protocolo de Kyoto, pela situação em que mantém os presos de Guantánamo e por tudo o que significa de belicismo e prepotência .
Reduz-se, contudo, a um estridente e arlequinal conjunto de minorias a iniciativa de expressar um inconformismo que, a rigor, poderia contar com o apoio maciço de parcelas bem mais amplas e sensatas da população.
Um antiamericanismo infantil e arruaceiro substitui ações políticas organizadas, que fossem fundadas na crítica às atitudes estratégicas específicas de um governante. O culto primitivo a caudilhos, tiranos e terroristas planetários ocupa um lugar preponderante no que poderia ser um movimento pacífico e civilizado no sentido de fortalecer as instituições internacionais.
O presidente Lula tem mostrado habilidade ao privilegiar pautas específicas de entendimento com os EUA, mantendo relações construtivas com Bush.
Setores de seu próprio partido, entretanto, e da sua base de governo, aderem com facilidade a um espetáculo ridículo e agônico nas ruas das principais cidades do país, momentaneamente tomadas por blocos de beduínos, mascarados e por odaliscas em busca de notoriedade explícita diante das câmeras de TV. Já faz parte do show.