Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 11, 2007

Mailson da Nóbrega PIB: vamos ganhar do Haiti em 2007


Pelo segundo ano consecutivo, o crescimento do PIB ficou à frente apenas do Haiti na América Latina. O mote de sempre foi repetido: a culpa é dos juros altos e de suas conseqüências no câmbio, cuja valorização gerou aumento das importações e daí menor expansão da economia. Será?

Se o ambiente econômico não mudar, a taxa Selic ficará abaixo de 12% em dezembro. Dada a expectativa de inflação em torno de 4%, os juros reais cairão a menos de 8%, o menor nível desde a extinção do seu controle há 30 anos. Cresceremos algo como 3,5%, mais uma vez à frente do Haiti.

No governo Sarney, o mais difícil desde a democratização, a taxa real média anual de juros alcançou incríveis 140%. Trata-se de um cálculo sujeito a erros, diante da inflação da época, que na média superou os 700% ao ano. Seja como for, pode-se afirmar que os juros reais de então eram muito superiores aos projetados para 2007.

Nesse período, com juros reais mais altos e superávit comercial menor (US$ 13,4 bilhões), o PIB cresceu em média 4,4% ao ano. A taxa de desemprego foi inferior a 4%. Pela teoria que atribui o baixo crescimento aos juros e ao câmbio, esses resultados seriam impossíveis.

Taxas de juros relativamente altas reduzem a demanda no curto e médio prazos, como deve ser, pois é assim que se combate a inflação. A política monetária não pode ser usada para promover o crescimento ou para vitaminar o PAC. O maior equívoco recente é afirmar que o aumento das importações contribuiu para o baixo crescimento do PIB. Trata-se de visão parcial e meramente aritmética do comércio exterior. Por aí, seria melhor proibir as importações, pois o PIB cresceria mais.

Na verdade, o aumento das importações decorre da elevação do consumo das famílias e das compras de bens de capital, por força da elevação da renda (a valorização cambial eleva os salários reais) e do barateamento de máquinas e equipamentos. Isso é possível porque há condições financeiras de absorver essas importações. No geral, esse processo aumenta o bem-estar, contribui para o controle da inflação e eleva a capacidade produtiva da economia.

Voltemos à política monetária e aceitemos que o BC é conservador. Até aqui, inexiste novidade. Nenhum banco central responsável embarca em apelos de 'ousadia' na queda taxa de juros, pois não se põe em risco um bem público essencial como a estabilidade da moeda. Ousadia é outra coisa, como defender uma reforma previdenciária que desagrade grupos organizados da sociedade.

Digamos que o BC é 'excessivamente' conservador. Mesmo assim, uma redução maior da taxa Selic não viabilizaria um crescimento anual sustentado de 5%, pois a baixa expansão do PIB não deriva de insuficiência de demanda.

No longo prazo, o que faz a economia crescer de forma sustentada é uma combinação de investimento, mão-de-obra e ganhos de produtividade. É aqui onde está o nó. De fato, o País se ressente de condições que assegurem um investimento muito além dos atuais 20% do PIB ou de elevação de produtividade que nos permita crescer mais sem aumentar o estoque de capital.

O ambiente institucional milita contra o investimento e a produtividade, como se vê de marcos regulatórios fracos, excessiva e caótica carga tributária, anacronismo da legislação trabalhista, custo e morosidade do Judiciário e assim por diante. Ao mesmo tempo, a deteriorada infra-estrutura de transportes eleva custos e dificulta a operação da logística.

Se o Brasil crescer ao redor de 3,5% em 2007, será conseqüência da preservação de um ambiente macroeconômico satisfatório - um mérito indiscutível do presidente Lula, malgrado as pressões para que brinque com coisas sérias como juros e câmbio - e dos ganhos de produtividade derivados de mudanças do passado, como a abertura da economia, a estabilidade e as privatizações, cujos efeitos costumam amadurecer ao longo de anos. Nada ou pouco a ver com o PAC.

O discurso simplista dos juros baixos e do câmbio alto deveria ser substituído por críticas efetivamente relevantes. As causas do baixo crescimento devem ser buscadas na nossa periclitante situação fiscal, no insuficiente tempo de escolaridade da mão-de-obra e na ausência de reformas microeconômicas que aumentariam o investimento e a produtividade. Em nome dos pobres, não dá para correr o risco de relaxar a política monetária.


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