Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 08, 2007

Dora Kramer - Sob a mira do eleitor




O Estado de S. Paulo
8/3/2007

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso inicia na semana que vem uma campanha em defesa da reforma política que, na opinião dele, deve começar com uma medida prática a título de “test-drive”: a aprovação pelo Congresso de uma experiência com o voto distrital já na eleição para vereadores em 2008.

Se der certo, na eleição de 2010 a regra seria aplicada para os deputados estaduais e, na seguinte, para os federais, de modo a que em 2014 os representantes legislativos fossem todos eleitos sob a nova regra.

Na próxima segunda-feira, FH faz conferência e depois participa de debate sobre o tema com o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, os deputados Miro Teixeira (PDT) e José Eduardo Cardoso (PT), e o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim (PMDB) no seminário “Voto distrital: a reforma política que interessa ao Brasil”, patrocinado pela Associação Comercial de São Paulo.

E por que recomeçar a discussão por um assunto aparentemente árido quando há em tramitação no Parlamento outros mais palatáveis à compreensão popular como fidelidade partidária e financiamento público de campanhas eleitorais?

Por várias razões. “A principal delas é que o voto distrital quebra a espinha do atual sistema que induz à corrupção e à desunião partidária.”

Alterando a lógica da escolha do parlamentar, fazendo com que o eleitor saiba perfeitamente quem é o seu eleito e, em conseqüência, passe a ter controle sobre suas ações, a tendência, na opinião de Fernando Henrique, é que o Congresso deixe de ser um espaço de representação de interesses localizados e passe a representar realmente o conjunto de interesses do País.

Modificada a forma da eleição, modifica-se também a relação entre o Parlamento e a população entre um pleito e outro e o resultado - a meta de fato a ser atingida - seria uma recuperação da empatia entre a política e a sociedade, hoje totalmente distanciadas.

“Como os partidos não têm idéias muito bem definidas e os deputados são eleitos por máquinas - sejam elas boas ou más, bem-intencionadas ou não -, ocorre o desgaste, cresce a indiferença e cada vez mais o Congresso consolida-se como uma Casa de lobby. O eleitor acha que não tem nada a ver individualmente com o que se passa por lá.”

Nesse modelo, diz, a renovação do Legislativo a cada quatro anos não passa de “ficção”. Não precisando agradar à população e sim à máquina que o elegeu e sobre a qual ele joga a expectativa da sua reeleição, todos os fatores que levaram uma legislatura a se desmoralizar junto à opinião pública continuam presentes, aprofundando o desagrado, pois os métodos se repetem.

E de que forma o voto distrital muda a situação?

Primeiro a explicação de como funciona o atual sistema: “Cada partido ‘pesca’ votos em todo o Estado, pode lançar o dobro de candidatos em relação às cadeiras a que tem direito e, além disso, uns competem com os outros internamente. O candidato esparrama a campanha, gasta muito, se dispersa, não há vinculação de responsabilidades. O eleitor esquece em quem votou e o eleito não sabe quem são seus eleitores”.

Inseguro sobre a reeleição, o deputado se apóia na “máquina” - partidária, sindical, empresarial, seja qual for - presta favores a ela e, esmiúça o ex-presidente, “acaba exercendo a função de despachante de luxo numa versão atualizada do velho clientelismo”. “No meio do caminho, as vantagens e as propinas.”

Agora, o cenário presumido da eleição por voto distrital: “ O Estado é dividido em distritos, onde cada partido lança apenas um candidato, o eleitor sabe mais facilmente em quem votou e pode acompanhar o desempenho do eleito em função dos interesses do distrito onde ele votou”.

Ao exemplo em números: hoje, num Estado como São Paulo, cada legenda pode lançar 140 candidatos. Na suposição otimista de que a cláusula de barreira venha a ser recriada e reduza os partidos para sete (atualmente são 29), em tese seriam 980 candidatos disputando o voto de 25 milhões de eleitores.

Com o voto distrital, seriam apenas sete (ou 29) os candidatos de cada um dos partidos competindo pelo voto de 350 mil eleitores (25 milhões divididos por 70 cadeiras).

“Nesse sistema, torna-se muito mais fácil cobrar do candidato e obrigá-lo a prestar contas: na próxima eleição serão os mesmos 350 mil eleitores que escolherão entre sete (ou 29) pessoas, uma delas já no cargo e as outras denunciando irregularidades, se houver, cometidas pelo deputado em busca da reeleição.”

Fernando Henrique acha, no entanto, que não se pode ter a ilusão de transitar de um sistema deformado para um método perfeito que, inclusive é de difícil execução. Por isso, a proposta de introduzir no cenário eleitoral o voto distrital de forma gradativa, começando pela eleição de 2008.

Com uma vantagem prática: os deputados votariam a mudança não para ser aplicada a eles, mas aos vereadores, o que facilitaria sobremaneira sua aprovação.


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