Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 15, 2007

Dora Kramer - Singular Majestático




O Estado de S. Paulo
15/3/2007

O presidente da República nunca viu, segundo suas palavras, período “mais tranqüilo” para se governar desde a ditadura militar do que este agora vivido por ele.

Jamais em tempo algum, de acordo com sua avaliação, um governante teve tanta liberdade de ação para montar um ministério como ele está tendo agora neste início de segundo mandato.

Luiz Inácio da Silva está encantado consigo mesmo. Tão inebriado, que exacerba sua já notória vocação à auto-referência, exagera na preferência pelo pronome “eu” e diz ao povo que a nomeação de ministros é assunto de foro íntimo.

Deixemos de lado a forma do português e fiquemos só com o conteúdo de sua primeira declaração explícita sobre a reforma ministerial feita na terça-feira: “É um problema eminente meu, que eu vou fazendo na medida em que achar que deva fazer”.

Não é o caso nem de se invocar o bom entendedor, porque o presidente não ficou no meio-termo. Usou as palavras inteiras para dizer que ninguém tem nada com isso. Em matéria de ministério, Lula não tem medo de ninguém.

Presidentes corajosos, ousados (na medida certa) e independentes nas escolhas administrativas são muito bem-vindos.

Já presidentes cuja noção do exercício de poder é unilateral, pessoalmente soberana, que confundem a pessoa física com a função pública, que ignoram o dever de dar satisfações, que tomam decisões tendo como referência exclusiva as pesquisas de opinião são apenas temerários, porque se deixam levar pelo entusiasmo proveniente da popularidade, da bajulação e das avaliações imediatistas.

Reza a lenda da atualidade que o presidente “nada de braçada” sobre uma oposição sem propósitos e uma situação cuja subserviência é diretamente proporcional à capacidade de Lula de manipular suas expectativas de ocupar por delegação nichos de poder.

O cenário, visto assim do alto, é mesmo como o morro de Mangueira da composição: “Mais parece um céu no chão”. Só que, na realidade, nem a vida do morro é risonha e franca nem presidentes da República em regimes democráticos, partidária e socialmente plurais, atuam sozinhos em cena. Por algum tempo talvez, mas não durante o tempo todo.

Uma frase do cineasta e dramaturgo francês Jean Anouilh a respeito do dia de amanhã e suas conseqüências sobre a deterioração de determinadas situações define bem a transitoriedade das coisas: “Há o amor, é claro. Mas há a vida, sua inimiga”.

No caso de Lula, sua grande inimiga é a certeza inabalável de que pode desconsiderar pessoas, humilhar parceiros apenas porque os sabe interesseiros, jogar com seus desejos futuros, sem que isso produza conseqüências.

Na reforma ministerial, o presidente Lula realmente está fazendo as coisas como bem entende. Dribla pressões, estica a corda e sua vontade prevalece no final. Mas faz isso ao custo do respeito alheio e do desrespeito às regras mínimas de civilidade.

A seu favor não se pode nem dizer que o ilusionismo aplicado à operação de nomeação de ministros tenha por objetivo a excelência administrativa, pois o critério geral tem sido o da entrega de ministérios mediante a conta do custo-benefício das conveniências.

Lula brinca com o tempo da reforma, com a autoridade presidencial, com a senhorilidade do cargo. Deixa todos na berlinda e acredita quando lhe dizem que isso é sinal de habilidade política.

Não é. O político habilidoso agrega. E o presidente Lula tem apostado de maneira temerária na desagregação da aliança partidária que um dia chamou de coalizão, mas que vai transformando aos poucos numa confederação de humilhados, cujo motor do revide é sempre a mágoa. Quem faz isso não percebe, mas cria corvos.

Sem chão

A reação irada do presidente do Senado, Renan Calheiros, à retirada do apoio do presidente Lula da candidatura de Nelson Jobim à presidência do PMDB foi motivada por razões mais profundas que a derrota imediata.

Lula deixou Calheiros sem o tapete do futuro sob os pés. Estava tudo acertado: se Jobim conquistasse a presidência do partido, começaria a operação para levar Aécio Neves a se transferir do PSDB para o PMDB com a garantia da legenda para disputar a Presidência da República, em 2010, tendo como vice Renan Calheiros.

Seria a saída ideal para o presidente do Senado, que daqui a quatro anos estará sem espaço para disputar eleições em Alagoas. Para o Senado terá como concorrentes Heloísa Helena, João Lyra e o ex-governador Ronaldo Lessa.

Para o governo do Estado, Fernando Collor de Mello e o atual governador, Teotônio Vilela Filho. Todos de tacape na mão para atacá-lo.

Com Michel Temer na presidência, o plano de levar Aécio para o partido ficou mais difícil, mas continua no horizonte como tarefa a ser executada pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho.

Já o projeto vice de Renan Calheiros no cenário de hoje está fora de cogitação. Mas, como nada é impossível e na política tudo é rigorosamente possível, nunca se sabe.

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