O Estado de S. Paulo |
22/3/2007 |
Para o governo é ótimo que sua trupe na Câmara dos Deputados revele eficiência na arte de bem servir aos interesses do Palácio do Planalto. Mas para o País é péssimo que uma das Casas do Poder Legislativo só se mostre eficaz quando se trata de prestar serviço ao Executivo, sacrificando o exame de questões do interesse coletivo, como a crise do setor aéreo e o equivocado - por corporativo, para dizer o mínimo - veto presidencial à limitação da autonomia dos fiscais da Receita, para interferir nas relações contratuais dentro de empresas privadas. No Senado chegou-se a um acordo para analisar esse e outros vetos (no total 601 em suspenso), mas é preciso que a maioria governista da Câmara também se disponha, porque o assunto requer a participação das duas instâncias congressuais. A conduta dos deputados no tocante ao pedido de investigação das causas da interdição periódica do direito de ir e vir de avião no Brasil - de completa indiferença à população - não recomenda otimismo em relação à disposição de análise dos vetos. Isso para citar apenas dois exemplos mais em voga. Há inúmeros outros para ilustrar a paulatina abdicação de prerrogativas por parte do Legislativo, mais acentuadamente por parte da Câmara, onde predomina o governismo. Os dois casos em cartaz têm a vantagem de facilitar a compreensão a respeito do que se passa, por exacerbarem a situação: de um lado, a base governista ignora o óbvio caráter arbitrário da pressão dos sindicatos para que o foro de decisão sobre contratos entre empresas e pessoas jurídicas seja o guarda da esquina e não a Justiça e, de outro, usa do cinismo absoluto para argumentar que o pedido de CPI carece de fato determinado. Parlamento flácido e Executivo rijo compõem um quadro de risco a médio e longo prazos, sinalizador de desequilíbrio institucional, ainda mais quando a disparidade se instala também dentro de uma mesma instituição. No cenário presente os Poderes não se equivalem nem preservam o princípio da independência, como reza a norma da República. Essa infração a uma das cláusulas pétreas da Constituição evidentemente não pode render bons resultados à democracia. Não há reforma política que dê jeito nessa distorção. Aliás, não há nada que corrija a deformação a não ser a tomada de consciência de um número significativo de parlamentares a respeito do contínuo esvaziamento das funções congressuais que eles mesmos patrocinam. Querem estar na base do governo não para ajudar a construir um projeto, mas para obter desse mesmo governo favores que lhes facilitem a sobrevivência política. Em troca, não hesitam em formar um Exército para proteger o poder de desconfortos, em detrimento da função oposta para a qual foram eleitos: a proteção ao eleitorado. A lógica vale para a administração petista no plano federal, mas vale também para gestões de partidos oposicionistas no âmbito estadual. A subserviência é geral. Chefes de Poderes Executivos parecem ter perdido a noção de conjunto do sistema republicano e os integrantes de Poderes Legislativos não enxergam um metro além das respectivas, e individuais, conveniências. Talvez não percebam - e se percebem é pior, pois atuam de forma dolosa - o dano causado ao sistema representativo, que tem lá seus imensos defeitos de estrutura, mas sem dúvida sofre o mal maior da ausência de perspectiva social, política, histórica e até democrática, de seus partícipes. O contraponto à crescente subserviência da Câmara não precisaria ser necessariamente o conflito de morte com o Poder Executivo. Na convivência entre Poderes há espaço para a divergência e para a convergência, sem que um precise anular o outro para firmar sua força institucional. Para se chegar a esse grau de civilidade - extraordinário aqui, mas absolutamente corriqueiro mundo afora -, bastaria o atendimento a dois pré-requisitos: da parte do Congresso, a adoção do cidadão como referência primordial e não mais o poder discricionário emanado do Diário Oficial. Por parte dos ocupantes do Executivo, a preliminar indispensável é a dispensa do uso privado de instrumentos de propriedade coletiva - a máquina estatal - para impor a sua vontade ao custo do aniquilamento de prerrogativas constitucionais. Pertençam elas aos parlamentares eleitos para representar a população ou caibam elas ao eleitorado, cujos direitos e garantias estão assim resumidos no parágrafo único do artigo primeiro da Carta maior: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Todas as excelências, executivas e legislativas, juraram ao tomar posse observar e cumprir aqueles termos. Mas, como está fora de moda guardar fidelidade à palavra dita e reverência à lei escrita, se sentem plenamente autorizadas a relegar seus votos ao plano das irrelevâncias. Até a próxima eleição, quando renovarão suas juras vazias a um eleitorado descrente e, por isso, cada vez mais indiferente. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, março 22, 2007
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