Artigo - Ilan Goldfajn |
O Estado de S. Paulo |
20/3/2007 |
Neste sábado, acordei e fui trabalhar. Normalmente, é dia de programação com as crianças. Mas, desta vez, participava de um evento interessante na Casa das Garças, no Rio. Fui debater junto com economistas brasileiros e especialistas internacionais um tema que tem ocupado as atenções de autoridades econômicas do mundo todo. Qual é o motivo para países acumularem tanta moeda forte (dólar) nos últimos anos? Os bancos centrais têm capacidade de influenciar o valor de suas moedas no longo prazo ou mesmo no curto prazo? O exemplo asiático pode e deve ser seguido por outros países? O câmbio é um tema quente no Brasil (e no mundo!). Muitos acreditam que o Brasil poderia seguir o caminho de alguns países emergentes da Ásia, que crescem a taxas elevadas com moedas depreciadas. A idéia é que um país com preços mais competitivos dos seus produtos poderia exportar mais, crescer mais e gerar mais emprego. Portanto, o Brasil deveria esforçar-se para manter um real mais fraco para alavancar o crescimento. Essa linha de raciocínio é clara e sedutora. Afinal, quem não gostaria de estar crescendo como a China nestes últimos anos? Curiosamente, na mesma noite dos debates, a China - o país que mais acumula reservas (dólares) nos últimos tempos e cuja moeda é considerada das mais desvalorizadas - resolveu aumentar os juros pela terceira vez nos últimos meses. A idéia é manter a demanda controlada para poder prolongar este período de crescimento sem inflação por um longo período de tempo (alguns economistas acreditam que seria mais coerente deixar o câmbio apreciar-se para fortalecer o consumo doméstico à custa de menor exportação). Na verdade, o debate sobre o tema é complexo e envolve diversos aspectos a serem considerados. Não há consenso entre economistas sobre o assunto (como sempre? Dizem que há sempre três opiniões para cada dois economistas...), mas também a evidência empírica é pouco conclusiva (ou seja, meu caro leitor, evite aceitar posições muito enfáticas sobre o assunto). É didático analisar a política cambial em duas partes: 1) Avaliar qual é a capacidade do governo de controlar o câmbio no curto e no longo prazos; e, caso seja possível, 2) qual é o efeito de uma depreciação do câmbio na economia, isto é, crescimento, inflação e distribuição de renda. Na primeira questão, alguns economistas acreditam que o Banco Central não tem capacidade de influenciar a taxa de câmbio apenas comprando reservas, sem alterar a taxa de juros (no jargão, quando faz uma “intervenção esterilizada”). Vários banqueiros centrais e operadores do mercado financeiro acreditam que essa capacidade existe, dependendo do volume e da intensidade da intervenção do Banco Central. Como há muita volatilidade diária na taxa de câmbio no mercado e é difícil obter o cenário alternativo (contrafactual) para comparar (por exemplo, qual teria sido a apreciação do câmbio se o Banco Central não tivesse comprado reservas?), os estudos não conseguem obter um resultado definitivo. O artigo do professor Michael Hutchinson sobre a intervenção no Japão (funciona apenas quando feita esporadicamente) e o comentário do Fábio Kanczuk aplicando a metodologia ao Brasil não fogem à regra (não são conclusivos). Mesmo que o Banco Central consiga influenciar o câmbio, resta a dúvida se essa taxa mais depreciada não levaria a um aumento da inflação, o que acaba frustrando o desejo de se tornarem mais competitivos. Na Argentina e na Rússia os bancos centrais têm mantido a taxa de câmbio nominal sob controle, mas a inflação entre 10% e 15 % nesses países nos últimos anos tem gerado uma apreciação real significativa das moedas (resta a dúvida: não seria melhor, nesses casos, deixar o câmbio nominal se apreciar e não ter inflação?). Na Ásia, a situação tem sido diferente, não só os bancos centrais têm mantido controle nesses países, mas a inflação também tem permanecido baixa (mesmo na China, que subiu agora os juros). Num artigo para a conferência, Mônica de Bolle mostra que há condições muito específicas para que isso possa ser replicado em outros países (política fiscal adequada, alta taxa de poupança e fluxos de capital baseados em investimento direto). Mesmo que essas condições não estejam presentes em outros países emergentes, há outros argumentos que justificariam a intervenção do Banco Central. Joshua Aizenmann, professor da Universidade de Santa Cruz, mostra que uma política ativa de acumulação de reservas reduz a volatilidade na economia, evita paradas súbitas de fluxos de capital e minimiza o ajuste brusco de conta corrente - em outras palavras, é um seguro contra crises na economia. A segunda questão é relevante. Há benefício para a economia de um câmbio mais depreciado? Artigos recentes de alguns economistas (Aguirre e Calderón) mostram que pequenas subvalorizações podem ser benéficas ao crescimento (enquanto as grandes são prejudiciais). Mas essas conclusões podem ser sensíveis às condições de política fiscal e sistema previdenciário (como argumenta um artigo recente de Samuel Pessoa). O professor Michael Dooley defende a intervenção e argumenta que o benefício em termos de crescimento do PIB ao longo dos anos mais do que compensaria os custos fiscais associados com a acumulação de reservas. No final, qual é a recomendação de política econômica? No Brasil parece fazer sentido acumular reservas para evitar crises futuras. Mas é pouco provável, nas condições atuais, replicar o sucesso asiático. Mais eficaz que uma política cambial mais ativa seria uma redução dos gastos públicos, que tenderia naturalmente a depreciar a taxa de câmbio real e reduzir os juros. Isso abriria espaço para mais exportações, investimento e o tão esperado crescimento acelerado no Brasil.
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Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, março 20, 2007
Debate sobre câmbio e intervenção
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