Artigo |
O Estado de S. Paulo |
21/3/2007 |
É alvissareiro que, 4 anos, 2 meses e 15 dias após ter assumido o primeiro governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha abandonado a retórica arrogante e autocomplacente do “nunca antes na História deste país” e adotado um discurso mais humilde. Ao lançar o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), com o objetivo construtivo de avaliar o desempenho das escolas de todo o País (incluindo as que ensinam a crianças a partir de 6 anos) e estabelecer um sistema de metas a partir dos resultados obtidos, ele reconheceu que a rede escolar no Brasil vive “o pior dos mundos”. Não houve uma autocrítica (afinal, sua primeira administração teve participação nesse desempenho trágico e isso não foi reconhecido explicitamente). Mas o reconhecimento (apesar de óbvio) da situação já é um passo à frente para quem sempre fez questão de falar como um Dr. Pangloss ao analisar a própria obra. Mais ainda se se levar em conta que, depois de passar o primeiro mandato atirando farpas na oposição, Sua Excelência agora pediu apoio a ex-ministros da Educação, como Paulo Renato Souza, Murilo Hingel e Cristovam Buarque, que ele próprio demitiu de forma desonrosa pelo telefone. E o fez reconhecendo, num rompante inesperado, que não era, entre os presentes à solenidade, a pessoa mais qualificada para discutir a melhoria do ensino. Isso torna sua promessa de se empenhar para mudar a realidade escolar mais passível de ser cumprida do que outras feitas no passado, ao sabor de campanhas eleitorais, sobre palanques nos quais ele gosta de subir até para evitar o desconforto de seu gabinete. A eventual infelicidade na marca do cavalo-de-batalha do projeto - o exame para avaliar o desempenho das escolas para alfabetizar crianças, rumo que contraria o histórico e vão empenho de alfabetizar adultos - tem um lado positivo. O diminutivo “provinha” caracteriza um certo carinho, impróprio para o rigor que deve inspirar qualquer tipo de avaliação, ainda que se trate do desempenho escolar de crianças estreantes na escola. Ou, o que pode ser pior, denotar uma ainda mais inadequada depreciação de seu valor. Mas isso também conota uma benéfica desatenção aos cânones do marketing político, que têm sido prioritários nesta gestão federal petista. Tais críticas perdem relevo, ainda, diante da importância de outro conceito construtivo enunciado pelo presidente nas declarações feitas de improviso durante o lançamento de um programa do qual um dos raros aspectos infelizes é a definição de “PAC da educação”. Pela iniciativa de pegar o touro da ignorância à unha e pelo cheiro de efetividade que as medidas anunciadas na semana passada têm, a comparação com a colcha de retalhos feita a gosto dos marqueteiros políticos do tal Programa de Aceleração do Crescimento é inexata e injusta. Em mais uma rápida entrevista, ocasião em que costuma escorregar em palpites nada inspirados, Sua Excelência justificou a permanência do ministro da Educação, Fernando Haddad, e a escolha do médico fluminense José Gomes Temporão para o Ministério da Saúde. Segundo ele, “na saúde, se você brincar, é morte. Na educação, é analfabeto.” Por mais deselegante que seja do ponto de vista semântico, a sentença contém uma verdade elementar que pode evitar o naufrágio do segundo governo Lula nas duas áreas citadas e, na certa, também teria efeitos profícuos nas outras, caso seu chefe supremo tomasse a sábia decisão de estendê-la ao primeiro escalão inteiro. A escolha de cidadãos probos e de notórios saber e experiência no setor a cargo de cada Ministério deveria ser uma regra administrativa usada para o preenchimento de toda a equipe de governo. Ninguém discorda da importância capital da saúde e da educação. Mas por que não estender esse critério da competência técnica e da honorabilidade pessoal para todas as áreas da administração federal? Se este critério já tivesse sido adotado, talvez fosse evitado o mico Odílio Balbinotti. Aliás, se perguntar não ofende, lá vai a pergunta: quem usa laranjas não pode ser ministro, mas pode legislar, é? Lula pode argumentar - e não deixará de ter razão - que para governar, nesta nossa democracia, é necessário assegurar um mínimo de governabilidade, palavrão esquisito que pode ser traduzido na prática por obter apoio nas votações de interesse da sociedade na Câmara e no Senado. É sensato reconhecer a responsabilidade dos líderes partidários no samba do crioulo doido em que se têm transformado as reformas ministeriais no Brasil desde a instauração desse regime esquisito que mescla presidencialismo monárquico com parlamentarismo leviano. Com o aval do eleitorado em outubro, o controle do Congresso reafirmado pela escolha de Renan Calheiros (PMDB-AL) e de Arlindo Chinaglia (PT-SP) para a presidência do Senado e da Câmara e o respaldo com que conta no Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da República não tem por que depender da improvável compreensão dos dirigentes do fragmentado quadro partidário nacional. É de duvidar que um presidente de partido se negasse a apresentar-lhe candidatos de ilibada reputação e indiscutível competência para a pasta reivindicada, se ele simplesmente não abrisse mão disso. O exemplo que ele deu fortalece essa hipótese: o novo ministro da Saúde é um especialista respeitado e faz parte da cota do PMDB, comemorada como “espetacular” pelo presidente do partido aliado, Michel Temer (SP). Como sonhar não é passível de multa da Super-Receita, talvez seja o caso de imaginar que a súbita e surpreendente demonstração de humildade de Lula no lançamento do PDE, na semana passada, possa um dia render um fruto de mais proveito para todos: o fim do loteamento da Esplanada dos Ministérios entre políticos nem sempre honestos e quase sempre jejunos nas pastas que assumem.
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Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, março 21, 2007
Alvíssaras para a sensata humildade de Lula- José Nêumanne
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