Na abertura da Assembléia Nacional do Povo, semana passada, o primeiroministro da China, Wen Jiabao, prometeu uma mudança de foco em seu governo, para desenvolver programas sociais destinados a melhorar a vida dos moradores nas áreas rurais. Estes ficaram para trás em relação ao pessoal das cidades, nas quais se concentra o fortíssimo crescimento no puro estilo capitalista.
Para usar uma linguagem que conhecemos por aqui, Wen está prometendo transferência de renda aos mais pobres. Surpreende, entretanto, quando se verifica quais são os programas sociais a serem implantados.
Por exemplo: escola gratuita para todos, do fundamental ao ensino médio. Explicitamente, Wen anunciou que as escolas, a partir de agora, não podem mais cobrar mensalidades ou outras taxas.
Quer dizer que podiam? Na China comunista, o ensino compulsório era pago até aqui, ainda que parcialmente e subsidiado? Mais ainda: fica-se sabendo que o custo da educação é talvez a principal preocupação das famílias residentes nas cidades. E, finalmente, o governo tem sido criticado por não ter alcançado a meta de gastar com educação o equivalente a 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Está nos 2,5%, bem menos do que no Brasil, por exemplo, e de praticamente todos os países relevantes.
A surpresa continua. Wen prometeu também um novo programa de saúde, mas este, por ser muito caro, será subsidiado e não inteiramente pago pelo Estado. Ou seja, a escola, até certo nível, será inteiramente gratuita, mas a assistência médica, não.
As pessoas têm que pagar uma contribuição anual ao sistema de saúde, que é simbólica no caso dos camponeses. Mas quando baixam hospital, pagam parte do tratamento. Moradores tanto das cidades quanto das áreas rurais têm reclamado que os hospitais elevaram seus preços, para melhorar sua rentabilidade.
Pode? Pois é, os debates lá guardam muita relação com o que temos por aqui. Como se trata de uma ditadura de partido único, sem imprensa livre, é obviamente muito difícil saber o que se passa. Mas algo sempre escapa, pelo próprio crescimento da classe média urbana, produto típico das sociedades capitalistas.
Sabe-se, assim, que a esquerda reclama justamente a ampliação dos programas sociais destinados aos pobres e de modo a preservar — ou talvez, reinstalar — as relações socialistas. A direita — os neoliberais! — defende, ao contrário, o desenvolvimento das instituições capitalistas. Neste momento, luta para que a Assembléia aprove a nova lei de propriedade privada. E prefere os investimentos estatais em infra-estrutura, de modo a aumentar o dinamismo econômico.
E há também os “fiscalistas”, que defendem, acreditem, a redução do déficit público, que já é pequeno, menos de 1,5% do PIB, e da dívida pública, de 22%.
No Brasil, para comparar, os números respectivos são 3% e 50%. No Brasil, também, o Estado gasta muito mais com educação e saúde gratuitas, com previdência, que não tem na China, e em diversos outros setores.
Não é de estranhar que déficit e dívida públicas sejam maiores por aqui, assim como a carga tributária. Aqui, 38% do PIB, lá, 18%.
Tudo isso explica também por que os brasileiros poupam pouco — algo como 20% do PIB. Esperam e, em certo grau, obtêm a proteção do Estado, que garante, por exemplo, aposentadoria de salário mínimo mesmo para quem nunca contribuiu. Na China, a poupança equivale a 44% do PIB.
Pudera! Eles, capitalistas coitados, têm de pagar por tudo! Quem diria, os comunistas sortudos somos nós! A sério, enquanto os chineses passaram os últimos 30 anos criando uma máquina de crescimento, nós preferimos construir um enorme Estado assistencialista e que promete mais do que pode entregar. Mas tenta entregar, e assim aumenta gastos (e impostos) todos os anos.
Essas histórias mostram que, em toda parte, é preciso encarar uma escolha que, se é dolorosa, é inevitável. A verdade que não se quer ver por aqui é a seguinte: existe uma escolha entre dinamismo econômico e igualitarismo (ou distributivismo).
Eis um exemplo provocativo. O PAC prevê gastos de R$ 3 bilhões com aeroportos e controle de tráfego, em quatro anos. É pouco. A própria Infraero informa que seriam necessários pelo menos R$ 7 bilhões para dar uma boa arrumada.
O governo tem ou não tem esse dinheiro ? Depende. A escolha brasileira foi aumentar o salário mínimo de R$ 350 para R$ 380. Como o governo paga aposentadorias e pensões de um mínimo para 17 milhões de pessoas, sendo 13 pagamentos por ano, esse gasto vai a R$ 6,6 bilhões/ano. Se o salário tivesse sido corrigido apenas pela inflação, portanto, mantendo-se seu valor real, “sobrariam” R$ 4 bilhões para obras só neste ano.
Os chineses estão instalando aeroportos por todo o país.
Entrevista:O Estado inteligente
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