Collor |
Artigo |
O Globo |
20/3/2007 |
Foi chocante a reação do Senado ao discurso de estréia de Fernando Collor na quinta-feira. Collor classificou o seu impeachment como uma "litania de abusos e preconceitos, uma sucessão de ultrajes e um acúmulo de violações das mais comezinhas normas legais". Pondo-se na condição de vítima, atacou a CPI, dizendo que, "a partir de uma suposição, criou-se uma infâmia". Ninguém se dignou a mostrar que aquela página de nossa história não foi, como quer Collor, um momento de arbítrio, mas, ao contrário, um exemplo de pleno funcionamento de nossa democracia. O primeiro a falar, Arthur Virgílio, líder do PSDB, disse que não entraria no mérito das acusações e fez questão de eximir o seu partido de culpa: "O meu partido - e aqui faço justiça também àquele grande brasileiro chamado Ulysses Guimarães, do PMDB - relutou ao ponto máximo diante da perspectiva do impeachment." Tasso Jereissati disse que o PSDB não se arrependia do que fizera, mas sublinhou que o país mudou: fora muito rígido com Collor sem mostrar rigor igual com denúncias recentes: "Talvez V. Exªtenha sido o homem público da história recente do país que pagou o mais alto preço por eventuais erros cometidos - se é que os cometeu." Aloizio Mercadante, do PT, disse que a CPI visou a pôr fim a equívocos gravíssimos, mas admitiu: "Excessos, seguramente, ocorreram." Renan Calheiros, presidente do Senado, ex-aliado e ex-adversário de Collor, último a falar, resumiu o tom da sessão: "É forçoso - forçoso mesmo - reconhecer que V. Exª é hoje maior do que foi um dia." Para quem, como eu, trabalhou duro na cobertura daqueles dias, a perplexidade foi inevitável. Será que ninguém ali se recordava do que havia sido demonstrado pela CPI? Relembrando: Pedro Collor, irmão do então presidente, em entrevista à "Veja", denunciou uma sociedade, com fins escusos, entre Collor e PC Farias, ex-tesoureiro da campanha presidencial. Quando a CPI rumava para o naufrágio, o motorista Eriberto França contou aos brasileiros que pagava despesas da família do presidente com dinheiro sacado de contas de Ana Acioli, secretária de Collor, abastecidas por PC. Rompido o sigilo bancário de Acioli, a CPI confirmou que o dinheiro vinha de contas cujos titulares eram fantasmas, todos ligados a PC: entre as provas dessa ligação, salas comerciais adquiridas por PC e pagas com cheques administrativos comprados pelos fantasmas. Na página 257 do relatório da CPI, o capítulo "O papel dos "fantasmas" nos gastos pessoais do presidente Collor e sua família" demonstra que as contas de Acioli movimentaram cerca de US$2,3 milhões, beneficiando a então mulher, a mãe e a ex-mulher de Collor. A CPI também encontrou depósitos de fantasmas diretamente na conta da mulher (US$1,3 mil) e da ex-mulher de Collor (US$43 mil). Comprovou-se, ainda, que um Fiat Elba, comprado pelo próprio Collor, fora pago com um cheque administrativo comprado por um dos fantasmas de PC. A reforma da Casa da Dinda, residência do ex-presidente, custou US$2,1 milhões, também pagos pelos mesmos fantasmas. Depois das denúncias do motorista, Collor demorou um mês para alegar que o dinheiro vinha de um empréstimo de US$5 milhões, contraído no Uruguai e administrado por Cláudio Vieira, secretário particular da Presidência. O dinheiro, convertido em ouro, fora posto sob a guarda de Najun Turner, um doleiro: à medida da necessidade, era vendido. Vieira alegou que desconhecia o uso de fantasmas por Turner. A CPI, ao analisar o contrato de empréstimo e ouvir testemunhas, considerou que havia indícios de que a justificativa fora inventada. No dia 29 de setembro, a Câmara aprovou o impeachment de Collor. No dia 29 de dezembro, o Senado condenou o presidente por crime de responsabilidade, por considerar que ele quebrara o decoro do cargo. A punição foi a cassação de seus direitos políticos por oito anos, pena cumprida integralmente. Diante do senador Collor, seus pares preferiram não relembrar esses fatos, esquecendo-se de que os jovens não conhecem essa história. No processo criminal, e apenas nele, a defesa de Collor alegou que os milhões que o beneficiaram vinham, além do empréstimo no Uruguai, de sobras de doações eleitorais, centralizadas por PC na conta de um fantasma. Não havendo dúvidas de que o ex-presidente recebera dinheiro de PC, o STF debateu se, para condená-lo por corrupção passiva, seria necessário demonstrar que, em troca, algum ato ou omissão de Collor na Presidência beneficiara o ex-tesoureiro. O Ministério Público não foi capaz de demonstrar essa relação. Cinco ministros entenderam que isso era necessário; três consideraram que bastava provar que o presidente recebera vantagem indevida. Como a maioria dos ministros também considerou plausível a alegação de que os milhões vieram de sobras de campanha, o que, à época, não era ilegal, Collor foi absolvido por 5 a 3. Os responsáveis pela criação dos fantasmas foram condenados por falsidade ideológica. Collor teve de se explicar à Receita por não ter pago imposto de renda sobre o que recebeu, mas a ação penal por sonegação foi extinta porque o MP perdeu prazos. Há incongruência entre o julgamento do Congresso e do STF? Sidney Sanches, ex-ministro do Supremo, que presidiu um julgamento e participou do outro, em entrevista ao "Valor Econômico", declarou: "Pode haver condenação em um e absolvição em outro. O processo de impeachment, sendo político, é julgado por políticos. São juízes políticos sob a seguinte questão: qual o conceito de falta de decoro? (...) É falta de compostura e de vergonha no exercício do mandato. Quem emite conceito político e julga fatos políticos em um ambiente político não são os mesmos que julgam de acordo com o Direito. No julgamento do Collor no STF, o que se julgou foi corrupção passiva. E o tribunal entendeu que não estava configurado o crime de corrupção passiva." |
Entrevista:O Estado inteligente
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Collor -por Ali Kamel
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