Almoçávamos numa churrascaria no Rio de Janeiro, no início da década de 1990, quando o então governador Leonel Brizola foi cercado por um grupo de funcionários aposentados de Furnas Centrais Elétricas. Homens e mulheres de meia-idade que, em plena tarde de um dia útil, dançavam alegremente ao som de um conjunto musical por eles contratado. Entre uma foto e outra, Brizola indagou a idade de cada um: variava entre 43 e 55 anos. A uma senhora loura, alegre e saltitante, de 45 anos, ele cobrou, naquela inesquecível sonoridade gaúcha: “Mas, tão jovem, já aposentada?”
Surpresa com inesperado comentário, em se tratando de um trabalhista histórico, logo que o grupo se afastou indaguei o que ele achava de elevar a idade mínima de aposentadoria em lei. “O trabalho traz saúde; o ócio, tristeza e doença. Além do mais, a Previdência não suporta tanta gente se aposentando tão cedo”, foi o que ouvi. Desconfiada, insisti, ampliando o tema para direitos trabalhistas. Percebi que Brizola continuava defendendo a ultrapassada Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas, quando o assunto era Previdência, ele mudava completamente, reconhecia ser inevitável o desequilíbrio financeiro se as regras não fossem alteradas, pelo menos no que se refere à idade mínima de acesso à aposentadoria.
Apesar de o venerarem como ídolo, os seguidores de Brizola no PDT estão na contramão do líder. A começar pelo atual presidente do partido, Carlos Lupi, que pode vir a ocupar a pasta da Previdência e fez de sua campanha eleitoral a governador do Rio, no ano passado, um altar de glórias a Brizola, ataques agressivos e acusações graves ao governo Lula e um libelo contra a reforma da Previdência. A confirmação de Lupi para o cargo de ministro é o tiro de morte na reforma e o falecimento do tal Fórum da Previdência, que Lula criou para fazer de conta, mas tem sido usado pelo atual ministro, Nelson Machado, para dar transparência aos números, divulgar as deformações que condenam a Previdência à falência e, quem sabe, enviar ao Congresso um projeto de reforma que institua a idade mínima como o único meio de acesso à aposentadoria.
Filiado ao PT, Nelson Machado trabalhou no governo Mário Covas com os economistas Yoshiaki Nakano e Amir Khair, este também petista. “Foi quando aprendi tudo o que sei de gestão pública”, costuma lembrar. Apesar de sua origem política, Machado não recebeu nenhum apoio de seu partido ao ser ameaçado de ceder o cargo ao PDT. Em seu socorro se manifestaram, na quinta-feira, parlamentares de oposição, entre eles o tucano Arthur Virgílio. Se Lula o trocar por Carlos Lupi, o governo perde em qualidade, preparo, conhecimento, seriedade e dedicação à causa pública, e ganha em demagogia, atraso e agravamento de um rombo previdenciário que só faz crescer e devora dinheiro da saúde, educação, segurança. E Lula corre o risco de entregar um Ministério estratégico sem nenhuma certeza de, em troca, receber apoio do PDT aos projetos que o governo enviar ao Congresso. A infidelidade pode-se repetir, como em 2003, quando o ministro das Comunicações era Miro Teixeira (PDT-RJ).
O inimigo - Com o fogo amigo, do PT, murcho por falta de combustão vinda de Lula, surge com mais força o fogo inimigo do ministro Guido Mantega contra a direção do Banco Central (BC). Ele não perde chance de alfinetar, cobrar, criticar e se intrometer em assuntos do BC. Mais uma vez Mantega deixou Henrique Meirelles irritado, na terça-feira, ao cobrar que o BC mire no centro da meta e entregue uma inflação de 4,5% a 5%, evidentemente acima do que o banco persegue. Quem ganha é o mercado financeiro, que encontra razões para especular com ativos e realizar lucros. Quem perde é o País.
Mantega e Meirelles têm status de ministro, nenhum é hierarquicamente superior ao outro. O presidente do BC costuma reagir com cautela e discrição que o cargo recomenda. Cita a experiência dos EUA, onde o presidente do Federal Reserve e o secretário do Tesouro tomam decisões independentemente um do outro, para argumentar que o Brasil pode repetir o modelo, sem danos para a economia. Mas sabe que são duas situações totalmente diferentes. No Brasil a política econômica ainda depende muito da sintonia entre BC e Fazenda.
*Suely Caldas é jornalista E-mail: sucaldas@terra.com.br