Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 18, 2007

Mailson da Nóbrega *

Uma idéia do além: Imposto de Exportação


A idéia de impor um Imposto de Exportação para desestimular o ingresso de divisas e desvalorizar o câmbio seria uma calamidade. Constituiria uma medida fora de época para um país de outros tempos.

O ministro do Trabalho, que não consta ser um especialista em comércio exterior, abraçou a idéia. Ele, provavelmente, não sabe que o mundo aprendeu, há longo tempo, que não se deve tributar as exportações, pois os produtos e serviços pagam impostos nos países de destino. Seria tributar duplamente as vendas externas.

Tanto o ministro como os autores da idéia querem que a tributação incida apenas nas commodities, isto é, nos produtos do agronegócio e nos minérios. Mais recentemente, a idéia apareceu no Congresso, mas ainda não se sabe qual o sinistro propósito dos nobres parlamentares.

Não há dúvida de que a medida provocaria uma desvalorização cambial, não porque reduzisse imediatamente o fluxo de recursos externos, mas porque seria uma brutal inconseqüência do governo. Os mercados precificariam o risco de a política econômica passar a ser gerida com base em pressentimentos e não em conhecimento e competência.

No segundo momento, por penalizar dois dos setores mais competitivos do Brasil, a medida inibiria o investimento privado e reduziria as exportações físicas. A desvalorização decorreria da queda da capacidade exportadora. O potencial de crescimento da economia cairia, precisamente o contrário do que se imagina com a proposta.

O Imposto de Exportação é um dos mais antigos do Brasil. Pertencia aos Estados e no princípio do século 20 constituía uma de suas principais receitas. Com a reforma tributária de 1965, passou à competência da União e adquiriu finalidade extra-fiscal. Tornou-se instrumento de comércio exterior e, eventualmente, de controle de preços.

Antes da reforma, a União cobrava um tributo semelhante. Era a contribuição sobre as exportações de café, também chamada de “confisco cambial”. Sua finalidade era neutralizar a grande vantagem competitiva do nosso produto, que criava incentivos ao subfaturamento. Os exportadores podiam combinar preços mais baixos para registrar a venda e deixar a diferença lá fora.

O Imposto de Exportação foi aplicado na época das maxidesvalorizações, quando a súbita elevação da receita dos exportadores criava a mesma situação. Em ambos os casos, a tributação visava a maximizar o ingresso de divisas e não o contrário.

O Imposto de Exportação foi também utilizado com o objetivo de controle da inflação em épocas de normalidade cambial. Forçava o direcionamento de parte da oferta para o abastecimento interno e assim reduzia preços. Essa é a situação que parece justificar a imposição desse imposto na Argentina.

Diz-se por aqui que os argentinos usam a arrecadação do imposto para que seu banco central compre divisas no mercado e sustente uma taxa cambial depreciada. No Brasil, onde as instituições orçamentárias são mais evoluídas, a prática seria impossível, pois os recursos iriam para o Tesouro Nacional. Seria preciso aprovar uma dotação no Orçamento da União. Pela mesma razão, seria difícil usar os recursos para financiar as atividades dos exportadores atingidos, como se fazia na época do confisco cambial do café.

O incrível da proposta é imaginar que o imposto diminuiria o fluxo de divisas porque uma parte delas iria para o governo. Acontece que o exportador recebe reais e não moeda estrangeira. O governo ficaria com uma parte dos reais e não das divisas, que continuariam ingressando pelo mercado cambial. Ou seja, a pressão para valorizar o câmbio continuaria a mesma. O imposto seria inócuo para promover uma desvalorização cambial.

Paradoxalmente, a entrada de divisas poderia aumentar em produtos como o minério de ferro. Dada a forte demanda mundial e a competência da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), esta poderia transferir pelo menos parte do ônus do imposto para os importadores. Haveria elevação do fluxo de recursos externos, o oposto do pretendido.

Como se vê, os defensores da cobrança do Imposto de Exportação para promover a desvalorização cambial estão fora de tempo e alheios aos efeitos colaterais negativos da proposta. Felizmente, o Ministério da Fazenda já descartou a idéia. De tão fácil de desmontar e vetar, a eventual acolhida da proposta pelo Congresso não teria futuro.

*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br

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