Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 21, 2007

A conta da miséria e os juros - Vinicius Torres Freire




Folha de S. Paulo
21/3/2007

Estudo critica tese de que medida da desigualdade é ruim devido à subestimação da renda dos ricos e dos juros

A FAMOSA conta dos juros pagos pelo governo a seus credores (instituições financeiras, empresas e famílias ricas) tem sido um ponto cego nas pesquisas sobre renda, pobreza e desigualdade no Brasil.
De uns anos para cá, tornou-se popular a noção de que as pesquisas do IBGE subestimariam a renda dos mais ricos e, assim, a desigualdade.
Três pesquisadores do Ipea divulgaram ontem um estudo que contesta essa visão pop da desigualdade. Afirmam ainda que, embora ocorra subestimação, tal fato não afetaria os dados que indicam a redução na desigualdade de renda neste século. O texto, "A Desigualdade de Renda no Brasil Encontra-se Subestimada?", é de Ricardo Paes de Barros, Samir Cury e Gabriel Ulyssea. O trio comparou as medidas de renda da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), da POF (Pesquisa de Orçamento Familiar) e da pesquisa do PIB, do Sistema de Contas Nacionais, as três do IBGE.
Um resumo muito simples do trabalho dos economistas:
1) Considerados os anos estudados pelo trio de pesquisadores, 2001 e 2003, observa-se que, sim, a Pnad subestima em cerca de 26% a renda total das famílias, se comparada aos resultados obtidos pela POF ou pela pesquisa do PIB. Entenda-se: trata-se de subestimação devida às características do levantamento, não de precariedade ou outro motivo;
2) Segundo as estimativas dos pesquisadores, as rubricas com maior peso na discrepância entre as pesquisas são, pela ordem, as rendas de transferências (recursos recolhidos e redistribuídos pelo Estado, rendas "sociais", mais típicas entre os mais pobres) e a renda do trabalho. A renda de ativos (que inclui juros) vem depois. Mais: rendas não-monetárias são relevantes na discrepância entre POF e Pnad;
3) Levadas em conta tais diferenças e recalculado o índice de desigualdade com base na POF e na pesquisa do PIB, ainda assim o nível de desigualdade neste início de século seria praticamente o mesmo daquele calculado a partir da Pnad.

Estranha conta de juros
Mas continua a ser intrigante a conta da rendas privadas e das despesas públicas com juros da dívida. Nos dados relativos a 2003, o total da renda de ativos das famílias (juros, dividendos e aluguéis) registrada pela Pnad foi de R$ 17,4 bilhões; na POF, de R$ 47,2 bilhões; na obtida pela pesquisa do PIB, de R$ 67,2 bilhões.
No entanto, naquele ano de 2003 a despesa com juros do setor público foi de R$ 145 bilhões (juros nominais) -ou de R$ 107 bilhões, se porventura alguém observar de maneira polêmica que o relevante no caso seriam os juros reais.
Decerto é preciso observar que a comparação entre os dados das três pesquisas e o balanço das despesas com juros do setor público não são imediatamente comparáveis, entre outros motivos porque nem toda a despesa com juros é apropriada pelas famílias. Por outro lado, a renda de ativos captada pelo IBGE inclui muito mais que o recebimento de juros pelos credores da dívida pública (em suma, quase todo mundo que tem investimentos em fundos de renda fixa e similares).
Ainda há algo de muito obscuro aí nessa conta.

Arquivo do blog