Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 04, 2006

Volver, de Pedro Almodóvar

Cidade das mulheres

Em Volver, Almodóvar retorna à sua Espanha
rural e ao conforto da solidariedade feminina


Isabela Boscov

Divulgação
Lola, Yohana e Penélope: quando os homens se vão, já vão tarde

DA INTERNET
Trailer do filme

Tipicamente dominadoras e marcantes, as mães espanholas nunca morrem de todo – e por isso mesmo dão ótimos fantasmas, como se vê em Volver (Espanha, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país. O filme de Pedro Almodóvar começa, de forma muito apropriada, com um batalhão de mulheres, jovens e velhas, limpando e lustrando os túmulos de seus entes presumivelmente queridos num cemitério cheio de vento e poeira numa aldeia da região da Mancha. Três delas estão no centro da história: Raimunda (Penélope Cruz), sua filha adolescente, Paula (Yohana Cobo), e sua irmã, Soledad (Lola Dueñas). Raimunda e Soledad perderam os pais num incêndio, anos antes. Mas, numa visita a uma tia idosa (Chus Lampreave) que permanece no vilarejo, espantam-se com o fato de ela parecer tão bem-cuidada, embora esteja quase cega e um bocado lelé, e surpreendem-se também com as marcas ainda tão fortes de sua mãe na casa. Sucede que há boas razões para tal e que, a certa altura, a mãe morta (Carmen Maura) irá para Madri no porta-malas de um carro. "Como vai você?", pergunta a mãe a Soledad, ao voltar do seu além. "Sozinha, como sempre", responde a filha, que não ganhou esse nome – solidão – por acaso. Mais do que em qualquer outro filme do diretor, os homens aqui são presenças ameaçadoras ou, na melhor das hipóteses, ausências. E, quando se vão, geralmente já vão tarde.

Tome-se, por exemplo, Raimunda, cuja vida deslancha no momento em que sua filha mata o pai, que andava se excedendo nas atenções à menina. Ou o contraste entre a acolhida feminina à abalada Sole, mais uma vez de volta à aldeia para um funeral, e a barreira hostil de homens com que ela topa ao entrar por uma porta errada, na mesma ocasião. Em Volver, Almodóvar não retorna apenas à sua musa Carmen Maura, com quem rompera depois de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, e à Espanha rural que é sua origem. Retorna, principalmente, a esse círculo feminino feito de muita crítica e desaprovação (atenção à artilharia de beijos com que o mulherio se cumprimenta, logo no início), mas estreitado por uma solidariedade que resiste às mais graves desavenças – o círculo do qual, por intermédio de sua mãe, ele tirou muito da força necessária para se tornar o que é. Volver não é o mais arrebatador dos filmes do espanhol e, em grande medida, lida com uma generalização. Mas das mais bem fundamentadas pela experiência: na hora do aperto, é com outras mulheres que uma mulher – e também um homem – deve contar.

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