Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 04, 2006

Os Infiltrados, de Martin Scorsese

Os excelentes companheiros

Em Os Infiltrados, a parceria entre
Scorsese e Leonardo DiCaprio finalmente
rende o que se esperava


Isabela Boscov

DA INTERNET
Trailer do filme

Quando a sociedade entre Leonardo DiCaprio e Martin Scorsese parecia ir se confirmando como um tiro n'água, eis que ela produz Os Infiltrados (The Departed, Estados Unidos, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país. Vão-se os malsucedidos temas históricos de Gangues de Nova York e O Aviador, com os quais o diretor parece tão à vontade quanto um penetra na festa, e volta o universo do crime organizado, que ele domina como poucos; vão-se os protagonistas catalisadores, e tem-se de novo uma divisão mais equilibrada de forças entre os personagens; acima de tudo, não há mais aqui aquele pedido desesperado por aprovação – da Academia, dos seus pares, da indústria e do público – que se intuía nos dois trabalhos do cineasta e de seu novo ator predileto. Scorsese voltou à sua zona de conforto. O que, no seu caso, significa um retorno às emoções extremas e ao cinema de alta octanagem de Os Bons Companheiros e Cassino, que até esta nova empreitada se mantinham como os últimos grandes de seu currículo.

Adaptado tal e qual de Conflitos Internos, um policial de Hong Kong, Os Infiltrados trata das trajetórias opostas, mas simétricas, de Billy Costigan (DiCaprio) e Colin Sullivan (Matt Damon). Ambos têm ligações familiares com a máfia irlandesa de Boston, e ambos se destacam como cadetes da academia de polícia. Colin, porém, está ali a mando de Frank Costello (Jack Nicholson), chefão da bandidagem local, com o propósito de fazer carreira na lei e assim facilitar os negócios de sua organização. Billy, cujo pai aparentemente foi o único homem honesto de sua família, é recrutado para a tarefa inversa: cometer um crime, ser expulso da força policial e forjar sua passagem para o outro lado do balcão, insinuando-se junto a Costello. Para sua proteção, só dois de seus superiores, interpretados por Martin Sheen e Mark Wahlberg, conhecem sua verdadeira identidade. E, quanto mais os dois planos, o de Billy e o de Colin, se desenrolam, mais fica claro para cada uma das duas organizações (a criminosa e a policial) que há um informante em seu meio – e mais se intensifica a caçada a ele.

A exemplo de outro ícone do cinema nova-iorquino, Woody Allen, que em Match Point ganhou novo fôlego ao transpor seus temas habituais para Londres, Scorsese parece remoçado nessa mudança para Boston. Ao contrário de Allen, porém, que foi filmar na Inglaterra porque de lá é que veio o dinheiro para seu filme, a decisão inesperada de Scorsese atende a pelo menos uma boa razão prática. Uma trama como a de Os Infiltrados esbarraria em inúmeros obstáculos lógicos se colocada dentro da hierarquia rígida das famílias mafiosas italianas de Nova York. Já o estilo mais, digamos, personalista – e, portanto, altamente inflamável – dos irlandeses de Boston se presta à perfeição a essa história de dois agentes volantes, que se movem na base do improviso e no tempo mais curto da ação e reação, sem informações para traçar de antemão um percurso. Billy e Colin são assim, mais do que qualquer outra coisa, atores, e seus diferentes estilos dramáticos – calculado e jovial no caso de Colin, que está subindo de forma meteórica na polícia, defensivo e reativo no caso de Billy, o sujeito que entrou por último na gangue – são uma das chaves do filme.

Outro indício de que Scorsese parece estar de volta aos seus bons tempos é este: a forma como os personagens aqui existem inteiros, e não como as contrafações de Gangues de Nova York. Os diálogos de Os Infiltrados são torrentes de obscenidades e insultos – mas torrentes meticulosamente moduladas de acordo com o temperamento de quem as profere, chegando ao brilhantismo no caso de Mark Wahlberg (não, isso não é um erro de redação). Em outros tempos, Scorsese teria escolhido atores habituados a se impor pelo peso, como seus antigos favoritos Robert De Niro e Joe Pesci. Aqui, a começar por Jack Nicholson, que faz sua estréia com o diretor, todo o elenco é mais leve e ágil – e em todo ele, de uma ponta a outra, as interpretações são excepcionais. Ainda assim, não resta dúvida de que o filme é de Leonardo DiCaprio. Apático em Gangues de Nova York e deslocado em O Aviador, ele aqui reencontra seu prumo (e, não menos importante, sua habilidade para envolver a platéia) num papel muito mais difícil do que qualquer desses dois. Seu Billy Costigan é onerado por desejos simultâneos de sobrevivência e de autodestruição, e por fantasias de fracasso e de vitória em circunstâncias impossíveis. E é, acima de tudo, muito jovem e muito só, no que finalmente parece ser um bom uso do repertório pessoal do ator.

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