Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 02, 2006

VILLAS-BOAS A sucessão biológica



Durante o regime militar, José Aparecido de Oliveira gostava de expor seu otimismo com a frase definitiva: se não houver outra, haverá, sempre, uma sucessão biológica no poder. Enfim, e repetindo o Eclesiastes, uma geração vai, outra geração vem. O resultado das urnas do último domingo significa a aposentadoria, compulsória, de alguns homens públicos que vinham dominando a cena política desde o período autoritário. Novos nomes - e nem todos associados ao grupo do presidente Lula - surgem para conduzir, esperemos que para o bem, o processo político nas próximas décadas.

Não podemos inferir, disso, que a juventude é mais apta a praticar a boa política. Infelizmente nem sempre é assim. O exemplo mais nítido de que os jovens costumam ser contaminados pela febre da tirania é o de Nero, mas, no século passado, tivemos o nazismo. O que assusta naquele movimento, que criou as usinas da morte, é a extrema juventude de seus líderes. O chefe de todos, Hitler, matou-se poucos dias depois de comemorar 56 anos de vida, quando se encontrava acuado pelos soldados soviéticos, a poucos metros de seu bunker. Hitler chegou ao poder antes dos 44 anos, mas já liderava os nazistas havia uma década. Durante os 12 anos e três meses de governo, Hitler e seus jovens sequazes, quase todos bem mais moços do que ele, foram responsáveis pela mais organizada máquina de extermínio dos tempos modernos.

Há sinais de que o presidente Lula já começa a analisar, com todos os cuidados, o resultado eleitoral. Ainda que esses resultados repitam, de alguma forma, o mesmo crédito relativo em votos que recebeu na eleição de há quatro anos, eles têm outra significação. O Brasil e o mundo mudaram, neste quatriênio (e a oposição, ao que parece, não percebeu a mudança), o que exigirá o ajustamento da ação política à necessidade da conjuntura. Não há mais tempo para contemporizar com o sistema político eleitoral, com seus vícios casuísticos, alguns deles herança da velhíssima República. Fala-se muito em fidelidade partidária, mas se ela é necessária e urgente, a fim de evitar o perverso costume de mudança de partido, não é concebível que se pense em mandato imperativo, axioma já destruído pela razão política no século 18. As bancadas parlamentares devem ser monolíticas no sistema parlamentarista, porque dessa solidez depende a continuidade do governo, mas em um sistema presidencialista e em república federativa os deputados representam o povo, e não os partidos, e os senadores representam os Estados, e não os partidos.

Os governadores eleitos parecem inclinados a exercer sua influência, legítima, na condução do Brasil como um todo. Eles constituem, pela própria realidade, um poder moderador frente à presidência imperial do chefe do governo da União. É certo que, condicionados pelo regime autoritário de 1964, os Estados se viram inibidos a exercer os seus direitos federativos e a eles renunciaram, de forma acachapante, durante os oito anos de mando da coalizão PSDB-PFL, quando os governadores - com a notável exceção de Covas e Itamar - se submeteram ao Planalto de forma quase humilhante.

A democracia abomina a concentração do poder, e reclama, sim, sua distribuição. Por isso, o presidente parece inclinado a selar os ouvidos aos bajuladores, e a abri-los à ponderação dos chefes dos governos estaduais e de cidadãos eminentes pela sua experiência, estejam no Parlamento, ou não.

O fato é que a aposentadoria de alguns e conhecidos donos de feudos eleitorais é a grande oportunidade para que o Brasil ingresse no novo século com outros olhos, outra inteligência do mundo.

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