Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 02, 2006

O apagão aéreo que assassinou 154 pessoas

O apagão aéreo que assassinou 154 pessoas

Acabou a farsa. Sabem aquela saída: “culpem os americanos?” Não funcionou. Alguns cretinos acusaram um verdadeiro complô na Rede Globo, que teria subestimado o acidente com o Boeing da Gol para dar destaque às fotos do dossiê. Agora, o que há para dizer? A sorte de Lula é que a eleição não é daqui a duas semanas... O “apagão da energia elétrica do governo FHC” — escrevo assim, entre aspas, que é como o PT chamava e chama a crise de energia de 2001 — não matou ninguém. O “apagão da aviação do governo Lula” fez 154 vítimas fatais. Os familiares já têm a quem acionar: a União. Reportagem de Eliane Cantanhêde, na Folha de hoje, informa: a caixa-preta do Legacy revela que a torre de São José dos Campos errou e autorizou os pilotos Joe Lopore e Jean Paladino a voar a 37 mil pés, na contramão do avião da Gol. O resto já se sabe.

Quando o acidente aconteceu, no dia 29 de setembro, a operação-padrão dos controladores de vôo ainda não estava em curso, é verdade. Mas já estavam em vigência as péssimas condições em que eles trabalham “nestepaiz”, o que é atestado por organismos internacionais. Quando isso foi noticiado no The New York Times, o governo reagiu com sua honra verde-amarela ferida. Os passaportes dos pilotos foram apreendidos. Eles só fizeram o que lhes mandaram fazer, contrariando o plano de vôo que tinham.

A reportagem de Canhanhêde lista, sim, outros problemas, incluindo a falha no transponder. Mas leiam o texto. Nada explica que não se tenha alertado o avião da Gol para o que era, quando menos, um alto risco de colisão. Acidentes acontecem? Acontecem. Em qualquer parte do mundo. O que cobre o nosso de ridículo é a patetice das autoridades e a versão de que “os gringos” foram acusados sem haver qualquer prova material. Waldir Pires, ministro da Defesa, com uma longa folha de desserviços prestados ao Ministério da Previdência e ao governo da Bahia, afirmou anteontem que o problema dos controladores “é mais de fundo emocional”. Não é. Eles decidiram operar segundo as normas internacionais de segurança. Deu no caos que estamos vendo.

Não sei como anda o transporte marítimo. O terrestre, com exceção das estradas paulistas até onde sei, é o caos na forma de buracos. O dos céus vive uma situação de calamidade. Não obstante, o governo “como nunca houve nestepaiz”, no horário eleitoral gratuito, satanizou as privatizações, aquelas mesmas que fazem das estradas de São Paulo as mais seguras do país. Com pedágio, é verdade. Quem as quer como são sem pagar acredita em almoço grátis; está querendo um Bolsa Automóvel.

Mas ninguém gosta de privatização por aqui, como se viu pelo resultado das urnas. A gente prefere mesmo é o Estado assassino. Espero que a indenização às famílias seja paga em “conys”. “Cony” é a moeda que uso para reparação àqueles que são vítimas do Estado. Se quem perdeu um cargo de jornalista merece 1,5 milhão de conys mais 20 mil conys por mês, quanto deve receber a família de quem perdeu a vida porque a infra-estrutura do Brasil é um lixo?

Que este seja o país do Aerolula é só a ironia que definitivamente nos cobre de ridículo. Alguns leitores observam que escrevo, às vezes, textos furiosos. Pois é. Eu acho mesmo que nos falta um pouco de fúria. Aquela que todo indivíduo deve ter contra o Estado e o governo se não quer ser um escravo moral.

Por Reinaldo Azevedo

FOLHA DE S PAULO
Caixa-preta de Legacy revela que torre errou Controle em São José dos Campos autorizou que jato voasse a 37 mil pés até Manaus, mesma altitude do Boeing da Gol

Também ocorreu falha na comunicação com o centro de controle do tráfego aéreo de Brasília, e transponder do jato não funcionou


ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

A torre de controle de vôos de São José dos Campos (SP) autorizou os pilotos do Legacy, Joe Lepore e Jean Paladino, a voar na altitude de 37 mil pés até o aeroporto Eduardo Gomes, em Manaus, apesar de essa altitude ter se tornado "contramão" na rota após Brasília -e onde estava o Boeing-737 da Gol atingido e derrubado no choque com o jato da Embraer.
Esse foi o primeiro de uma sucessão de erros que geraram o choque, em 29 de setembro, matando 154 pessoas. Depois disso, houve falha na comunicação entre o Legacy e o Cindacta-1 (centro de controle do tráfego aéreo de Brasília), o transponder (que alertaria o sistema anti-colisão do Boeing) não estava funcionando no Legacy e o avião da Gol não foi alertado para o risco.
O plano de vôo original do Legacy previa três altitudes: 37 mil pés entre São José dos Campos e Brasília, passando para 36 mil pés a partir da capital e para 38 mil pés a partir do ponto Teres da carta aeronáutica (a 480 km de Brasília, em Mato Grosso) até Manaus. O Legacy, porém, voou todo o tempo em 37 mil pés.
Pela caixa-preta do Legacy, que está sob a responsabilidade do Cenipa (Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), o controlador da torre de São José dos Campos se comunicou em inglês com os americanos Lepore e Paladino durante o procedimento de "clearence" -ou seja, de autorização para a decolagem.
Nesse diálogo, gravado, Lepore pede para decolar, a torre autoriza e diz, claramente, que ele deve subir para 37 mil pés "até o aeroporto Eduardo Gomes", de Manaus, contrariando o que especificava o plano de vôo -em poder dos pilotos e das autoridades aeronáuticas.
A versão obtida pela Folha confirma o que dizem os advogados dos pilotos, o brasileiro Theo Dias e o americano Robert Torricelli, de que eles teriam autorização para voar em 37 mil pés, apesar de ser "contramão" no rumo Brasília-Manaus.
Nos registros do Cindacta-1, o último contato do Legacy foi quando a aeronave estava a 52 milhas -ou a cerca de sete minutos- de Brasília, para um procedimento comum: os pilotos comunicaram ao centro de controle que tinham atingido a altitude de 37 mil pés.
O piloto Lepore deu o registro do avião, Legacy N600XL, avisou que estava no nível 370, que corresponde a 37 mil pés, e desejou "boa tarde" em inglês.
O controlador de plantão respondeu, pediu que o piloto apertasse o botão de identificação do vôo e desejou boa viagem. O botão a que se referia é do transponder -que não funcionou. Os pilotos confirmam que o acionaram para registrar a identificação do vôo, mas o Cindacta-1 diz que o equipamento não estava funcionando a partir de Brasília e que os controladores tentaram várias vezes, sem sucesso, alertar a tripulação. Os pilotos reagem dizendo que também tentaram, sem sucesso, se comunicar com o Cindacta-1 quando sobrevoaram Brasília. Sem esse contato, decidiram seguir a orientação original, segundo seus advogados e representantes da empresa ExcelAire que conversaram com a Folha.
Segundo a Aeronáutica, um dos erros dos pilotos americanos foi não acionar o código 7600 no transponder, registrando a perda de comunicação. O aparelho ficou fora do ar até cerca de dois minutos depois do choque com o Boeing, na área de Mato Grosso, quando voltou a funcionar já com o código 7700, de emergência.
Já segundo os advogados dos pilotos e os representantes da empresa americana, o Cindacta-1 também errou, ao perceber que havia algo errado com o vôo e não alertar imediatamente o Boeing que vinha em sentido contrário e na mesma altitude. A alegação do Cindacta-1, encampada pela Aeronáutica, é de que o centro não identificou com precisão que o Legacy estava na altitude de 37 mil pés, o que só poderia ser feito caso o transponder estivesse funcionando. Sem ele, a altitude é conferida no radar pelo equipamento primário de segurança, que é impreciso. Nesse caso, há uma variação no radar que pode chegar até a 1.500 pés.
Tudo somado, há uma sucessão de erros. O original deles foi a autorização da torre de São José dos Campos para o vôo se realizar em 37 mil pés, mas isso poderia ter sido corrigido com a comunicação entre o avião e o Cindacta-1, pelo transponder e o sistema anti-colisão e, finalmente, pela determinação de que o Boeing desviasse, ou para cima ou lateralmente, como determinam as normas internacionais e nacionais de segurança de vôo.

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