Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 11, 2006

A venda em supermercados

Comida, produtos de
limpeza e best-sellers

Como os supermercados podem
transformar o negócio da
venda de livros no Brasil


Jerônimo Teixeira


Lailson Santos
Christophe Auger, da rede Bompreço: "Suprimos a carência de livrarias"

Uma pesquisa sobre o mercado livreiro que acaba de ser divulgada revela um dado curioso: em meio ao prosaico comércio de verduras, laticínios e detergentes, a venda de livros está crescendo nos supermercados brasileiros. E de maneira acentuada: trata-se do canal de vendas que mais se desenvolve no país. De acordo com a pesquisa feita pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, por encomenda da Câmara Brasileira do Livro e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, o número de exemplares que passaram pelos caixas de supermercado cresceu 60% de 2004 para 2005. A tendência deve continuar neste ano – na rede Extra, por exemplo, as vendas do setor aumentaram 25% no primeiro semestre de 2006, em comparação com o mesmo período de 2005. Os números ainda não deixam nenhum editor extasiado. Em termos absolutos, os supermercados venderam 3,7 milhões de livros no ano passado, contra 87 milhões de exemplares das livrarias no mesmo período. Mas o crescimento dá margem ao otimismo, sobretudo se considerado o alcance da rede de supermercados no Brasil: são 72.000 lojas, contra apenas 2.000 livrarias. O supermercado alcança cidades do interior e, mesmo nas cidades grandes, é freqüentado por pessoas que não têm o hábito de entrar em livrarias. Seu grande potencial está nesse ponto: atingir o consumidor que em geral não compra livros.

Os editores ainda reclamam da falta de sensibilidade dos supermercados no trato do livro. Há problemas de logística – em alguns supermercados, a modesta perua de livros espera horas na mesma fila que os caminhões de cerveja e feijão, o que encarece a entrega. Também falta pessoal especializado para dispor os lançamentos nas prateleiras. Muitos supermercados apresentam uma mistura desordenada de gêneros e autores. A oferta é limitada. Em toda a rede Bompreço – um dos poucos supermercados que vendem obras especializadas, como livros técnicos e jurídicos –, encontram-se apenas 3 000 títulos. Uma única livraria de porte médio tem algo em torno de 10.000 títulos, e as megalojas abrigam até 100.000. Aos poucos, porém, os supermercados estão percebendo que o livro é um negócio interessante – e que precisa de tratamento diferenciado. Estão agilizando os processos de entrega e cadastro de livros e reservando locais mais atraentes para o produto – embora os livros ainda fiquem subordinados a gerências amplas como "bazar", em que cabe quase tudo que não se pode comer ou utilizar na limpeza do fogão.

O Bompreço – rede do Nordeste, recentemente adquirida pelo grupo Wal-Mart – é reconhecido como um pioneiro nessa área. "No Nordeste, sempre houve uma carência grande de livrarias. O Bompreço tenta suprir essa demanda", diz Christophe Auger, 44 anos, gerente de entretenimento e eletrônicos do Wal-Mart/Bompreço. Há poucos meses, o Carrefour contratou o gerente Eduardo Passos, que comandava a seção de livros do Bompreço, para incrementar sua seção de bazar e livros. O grupo Pão de Açúcar/Extra integrou um gerente específico para os livros, dois anos atrás. Entre esses profissionais de diversas empresas, já surgiu um certo consenso sobre as diretrizes básicas para montar uma seção de livros lucrativa. Antigamente perdidos em zonas obscuras do mercado, os livros agora são tratados como produtos de entretenimento. Geralmente estão ao lado dos CDs e DVDs. A seleção de títulos obedece a alguns critérios comuns. Livros de auto-ajuda, Bíblias e obras religiosas (em particular, livros "psicografados" por médiuns) circulam bem no supermercado. Os best-sellers também são obrigatórios – a lista de mais vendidos de VEJA é uma referência para todos os gerentes. Livros de arte e obras acadêmicas terão melhor sorte nas livrarias. "Não é todo livro que vende em supermercado. Livros de filosofia, nem pedimos", afirma Eduardo Passos, do Carrefour. Diferentemente das livrarias, os supermercados não trabalham com catálogo. Obras não vendidas em três ou quatro meses são devolvidas ou trocadas por novidades nas editoras ou distribuidoras. "Temos um sistema de troca muito dinâmico. A gente quer ter o sortimento mais atualizado possível", diz Jean Gonçalves, diretor de bazar da rede Pão de Açúcar e Extra.

O leitor que adquire livros em supermercados não é necessariamente um freqüentador de livrarias, e suas motivações de consumo também são diferentes. "A compra de livros em supermercados se dá por impulso", afirma Miguel Roque, gerente da Catavento, uma das distribuidoras de livros com maior experiência no atendimento a supermercados. Isso quer dizer que ninguém vai ao supermercado especialmente para comprar o mais recente Luis Fernando Verissimo ou José Saramago. Em geral, o consumidor distraído passa pela seção de livros, com seu carrinho cheio de hortaliças e laticínios, e na hora decide levar um título que lhe chamou a atenção. O preço obviamente é muito importante para capturar esse leitor eventual. Os supermercados trabalham com diversos pacotes promocionais, em que se leva um livro de graça na compra de outro. E, no meio dos livros de auto-ajuda e dos óbvios dan browns, há pechinchas memoráveis de boas obras que já esgotaram seu fôlego nas livrarias. Na próxima vez em que for comprar sua couve-flor, vale passar na seção de livros: você pode encontrar títulos como Gênio, calhamaço do crítico literário americano Harold Bloom, por módicos 9,90 reais. Numa livraria, ele custa quase dez vezes isso.

Com reportagem de Anna Carolina Mello

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