Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 11, 2006

O Céu de Suely, de Karim Aïnouz

Íntimo e pessoal

Em O Céu de Suely, o diretor
Karim Aïnouz reafirma seu talento
para entender a inquietude


Isabela Boscov


Divulgação
Hermila e Georgina se refrescam: o paraíso não fica em Iguatu

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Trailer do filme
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Hermila (Hermila Guedes) passou os últimos dois, de seus 21 anos, satisfeita em São Paulo. Mas, como a vida era cara, voltou para Iguatu, no interior do Ceará, com o filho pequeno e a idéia de, no momento em que o marido se juntar a ela, montar uma banca de CDs e DVDs na feira da cidade. Iguatu, o cenário escolhido pelo diretor Karim Aïnouz para O Céu de Suely (Brasil/Alemanha/França, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país, tem perto de 100.000 habitantes e uma certa inquietação que não se costuma associar ao sertão nordestino. Plantada num entroncamento rodoviário, é cortada o tempo todo por caminhões e mototáxis. Esse movimento e o céu imenso do sertão, porém, não são o bastante para Hermila, especialmente quando ela se dá conta de que o marido não vai chegar nem logo nem nunca. Pelo contrário: tornam-se cada vez mais confinantes, já que todos em Iguatu parecem estar de passagem ou de saída. Nada fica ali, e de repente Hermila também não quer mais ficar. Quer ir para o ponto mais distante a que um ônibus possa levá-la – Porto Alegre. Para juntar dinheiro, ela se inspira em sua amiga Georgina (Georgina Castro), que faz programas com os caminhoneiros. Hermila não quer virar prostituta, mas acha que é capaz de suportar uma transa. Sob o pseudônimo de Suely, começa então a vender uma rifa, cujo prêmio será uma noite com ela – ou "uma noite no paraíso", segundo o bordão que usa para vender os números. A iniciativa divide opiniões, e Hermila se surpreende com a animosidade de parte delas; em seu entender, Suely e ela não têm nada a ver uma com a outra. Suely é apenas alguém que ela tem de personificar momentaneamente, para que, aí sim, Hermila possa se tornar quem Hermila acha que tem de ser.

O tema da reinvenção pessoal – elaborada a duríssimas penas – era o centro também do primeiro filme do diretor, Madame Satã, sobre o célebre transformista carioca João Francisco dos Santos. Em O Céu de Suely, o registro é realista (a começar pelo fato de que os personagens têm os nomes de seus intérpretes), e não mais impressionista. Mas a capacidade de Aïnouz para compreender a insatisfação e a inquietude permanece a mesma. Novamente fotografados por Walter Carvalho, os personagens se dividem aqui entre os que cabem no quadro, como a avó de Hermila e seu novo namorado, e os que estão sempre escapando dos limites da tela e do foco, como a protagonista. Apesar da ambientação no semi-árido nordestino, essa não é uma história de retirantes, tampouco sobre os constrangimentos financeiros que levam Hermila a criar Suely. Como Madame Satã, que tratava de um analfabeto que queria ser estrela, essa é uma história de alguém que perde o compasso da banda – no sertão, os homens é que vão embora, não as mulheres – e se vê obrigado a tocar a própria música. Uma bela música, aliás.

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